segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Homem criou a Luz e viu que isso era Bom...

Quando tinha 17 anos, pensei que logo eu deixaria de acreditar em Deus. Já deixara de acreditar em Papai Noel e já havia descoberto que meus pais eram mortais. Ora, é a tendência. Crescemos e nossa Fé dá lugar à Razão, e a Razão não acredita, a Razão sabe. Sem provas, uma coisa não existe, a menos que ainda nos seja desconhecida.

Deus é conhecido. Ao menos, já ouvimos falar dele. Mas, como não temos provas não acreditamos nEle. Assim como não acreditamos em duendes ou em unicórnios. A Razão, talvez, só acredite no desconhecido.

O que muitos fazem é deixar de ouvir a Razão neste ponto. É como se ela fosse aquele professor de Processo Penal discursando em frente à sala e decidíssemos simplesmente ignorá-lo, abaixando-nos nas sombras e dormindo o resto da aula.

A Razão é a luz, o conhecimento. E as trevas a ignorância em que repousamos, confortáveis em nossa Ilusão.

Mas, e se estivermos errados em nossa Razão? Se esta tiver sido construída sob uma fundação frágil, não corremos o risco de ter o castelo de nosso Saber desmoronando? Será que somente ignorar Deus, e com isto eu quero dizer todas nossas crenças, e tê-lO como inexistente somente por uma falta de provas é seguro?

E se houver provas e nós não as vemos simplesmente porque colocamos um holofote belo demais em nossa frente?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A tragédia de Maria.

- Há dias que até para o mais adaptado e conformado ser humano, a vida é insuportável. Há vezes em que é difícil ver a libertação. –

Saiu do trabalho como em um dia qualquer. Um trabalho mecânico e sem finalidade, para uma vida previsível e sem profundidade.

- Há vezes em que o trabalho físico combinado ao ócio mental é perigoso. –

Saiu do trabalho indignada, padecendo daquele incômodo sentimento de quem descobre sua pequenez e inutilidade. Sentimento, bem a propósito, sem nome.

- Quem percebe todo condicionamento existente por trás de cada comentário, cada construção arquitetônica, cada embalagem, torna-se quando pouco, muito chato, quando muito, muito louco. Quando coerente, um suicida. -

Saiu do trabalho lúcida como quem já não espera da vida senão a morte, lúcida como quem entendeu a própria alma e já não tem mais a chance de esquecer. Aquela lucidez que não aceita coexistir com a esperança, mesmo porque já não espera.

Passou pela biblioteca, um hábito, como fumar, inconsciente e necessário.

- A loucura e a inadaptação se reconhecem quando se vêem. –

Entrou na biblioteca quase junto com um rapaz, alto, bonito, encarnou a naturalidade que aprendeu com inúmeras leituras de como ser poderosa e sedutora, aliada a uma verdadeira diligência no estudo comportamental das heroínas novelescas. Deixou-o sem graça, dominou a situação, hesitante, porém no controle.

Chamava-se Péricles, silencioso e sem-jeito. Não guardava em si a medíocre malícia que os homens aprendem com os mais velhos, nem a resignação de um derrotado nas guerras amorosas. Distante como um recém nascido que ignora a desgraça que acaba de lhe ocorrer.

- Há pessoas que mexem com o espírito de quem as rodeia, trazendo esperança, furor, ódio, bravura. Gandhi, Silvia Saint, Hitler, Aquiles. –

Já não era mais indignação ou lucidez que imperava na alma de Maria. Amou-o no instante em que o viu. Dirão os céticos e materialistas deste século que amor à primeira vista é no mínimo infantil. Não percebem que nestes tempos, amor, é, no mínimo infantil.

- Quem tem tempo ou inocência o bastante para ser criança, que ame sem demora. –

Maria já estava seca pelo trabalho, pelas mesmas conversas e padrões, já não sabia mais ser mulher, seduzir e encantar. Mas estava um passo a frente, já havia conseguido deixá-lo sem graça, então num ato de fé o convidou para acompanhá-la até em casa sob o pretexto de carregar alguns poucos livros. Alegrou-se e impressionou-se quando ele aceitou.

Entraram. Ela, demonstrando a naturalidade que aprendera em adaptações cinematográficas, dubladas, de livros românticos desconhecidos. Ofereceu a ele uma bebida que ele educadamente aceitou. Trouxe a bebida e sentou-se timidamente ao lado dele.

- Mentiu culposamente o homem que definiu o bem, mentiu dolosamente o homem que disse que o bem atrai o bem. –

Ele a agarrou, rasgou suas roupas, a cada soco que levava ela resistia menos, a cada chute mostrava-se mais pacífica, no momento em que sentia seus fios de cabelo arrebentarem-se com a violenta puxada, ela já não se mexia mais. Ele a estuprou seguidas vezes, não havia, para ela, uma injustiça ou crime naquele ato, ela o amava. Mas sofreu, quando afogada no próprio sangue, viu nos olhos de Péricles prazer, mas não viu amor.

O apogeu de Péricles.

- Há poucas oportunidades de se libertar, e o amor é difícil de notar. -

Já não me lembro bem quando as coisas começaram a me preocupar, quando comecei a me proteger do sol, ou quando passei a temer o álcool e o tabaco, mas tenho claro em minha mente o exato momento em que tudo isso ruiu, o momento em que me tornei livre.

- Entrei, os livros já começavam a pesar em minhas mãos e no meu rosto já se entrevia os efeitos de uma caminhada para um sedentário.

-Pode deixar os livros ali. É perto não lhe disse?! Tive um longo dia, acho que mereço beber alguma coisa. Aceita?
Sim, claro!

Sentou-se ao meu lado. O mundo parou, mostrando-me com incrível clareza o momento em que caia todas as leis e obrigações. Caíram os muros que cerceavam minha liberdade. Minhas pupilas dilatavam-se e meu corpo deleitava-se.