segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Homem criou a Luz e viu que isso era Bom...

Quando tinha 17 anos, pensei que logo eu deixaria de acreditar em Deus. Já deixara de acreditar em Papai Noel e já havia descoberto que meus pais eram mortais. Ora, é a tendência. Crescemos e nossa Fé dá lugar à Razão, e a Razão não acredita, a Razão sabe. Sem provas, uma coisa não existe, a menos que ainda nos seja desconhecida.

Deus é conhecido. Ao menos, já ouvimos falar dele. Mas, como não temos provas não acreditamos nEle. Assim como não acreditamos em duendes ou em unicórnios. A Razão, talvez, só acredite no desconhecido.

O que muitos fazem é deixar de ouvir a Razão neste ponto. É como se ela fosse aquele professor de Processo Penal discursando em frente à sala e decidíssemos simplesmente ignorá-lo, abaixando-nos nas sombras e dormindo o resto da aula.

A Razão é a luz, o conhecimento. E as trevas a ignorância em que repousamos, confortáveis em nossa Ilusão.

Mas, e se estivermos errados em nossa Razão? Se esta tiver sido construída sob uma fundação frágil, não corremos o risco de ter o castelo de nosso Saber desmoronando? Será que somente ignorar Deus, e com isto eu quero dizer todas nossas crenças, e tê-lO como inexistente somente por uma falta de provas é seguro?

E se houver provas e nós não as vemos simplesmente porque colocamos um holofote belo demais em nossa frente?

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A tragédia de Maria.

- Há dias que até para o mais adaptado e conformado ser humano, a vida é insuportável. Há vezes em que é difícil ver a libertação. –

Saiu do trabalho como em um dia qualquer. Um trabalho mecânico e sem finalidade, para uma vida previsível e sem profundidade.

- Há vezes em que o trabalho físico combinado ao ócio mental é perigoso. –

Saiu do trabalho indignada, padecendo daquele incômodo sentimento de quem descobre sua pequenez e inutilidade. Sentimento, bem a propósito, sem nome.

- Quem percebe todo condicionamento existente por trás de cada comentário, cada construção arquitetônica, cada embalagem, torna-se quando pouco, muito chato, quando muito, muito louco. Quando coerente, um suicida. -

Saiu do trabalho lúcida como quem já não espera da vida senão a morte, lúcida como quem entendeu a própria alma e já não tem mais a chance de esquecer. Aquela lucidez que não aceita coexistir com a esperança, mesmo porque já não espera.

Passou pela biblioteca, um hábito, como fumar, inconsciente e necessário.

- A loucura e a inadaptação se reconhecem quando se vêem. –

Entrou na biblioteca quase junto com um rapaz, alto, bonito, encarnou a naturalidade que aprendeu com inúmeras leituras de como ser poderosa e sedutora, aliada a uma verdadeira diligência no estudo comportamental das heroínas novelescas. Deixou-o sem graça, dominou a situação, hesitante, porém no controle.

Chamava-se Péricles, silencioso e sem-jeito. Não guardava em si a medíocre malícia que os homens aprendem com os mais velhos, nem a resignação de um derrotado nas guerras amorosas. Distante como um recém nascido que ignora a desgraça que acaba de lhe ocorrer.

- Há pessoas que mexem com o espírito de quem as rodeia, trazendo esperança, furor, ódio, bravura. Gandhi, Silvia Saint, Hitler, Aquiles. –

Já não era mais indignação ou lucidez que imperava na alma de Maria. Amou-o no instante em que o viu. Dirão os céticos e materialistas deste século que amor à primeira vista é no mínimo infantil. Não percebem que nestes tempos, amor, é, no mínimo infantil.

- Quem tem tempo ou inocência o bastante para ser criança, que ame sem demora. –

Maria já estava seca pelo trabalho, pelas mesmas conversas e padrões, já não sabia mais ser mulher, seduzir e encantar. Mas estava um passo a frente, já havia conseguido deixá-lo sem graça, então num ato de fé o convidou para acompanhá-la até em casa sob o pretexto de carregar alguns poucos livros. Alegrou-se e impressionou-se quando ele aceitou.

Entraram. Ela, demonstrando a naturalidade que aprendera em adaptações cinematográficas, dubladas, de livros românticos desconhecidos. Ofereceu a ele uma bebida que ele educadamente aceitou. Trouxe a bebida e sentou-se timidamente ao lado dele.

- Mentiu culposamente o homem que definiu o bem, mentiu dolosamente o homem que disse que o bem atrai o bem. –

Ele a agarrou, rasgou suas roupas, a cada soco que levava ela resistia menos, a cada chute mostrava-se mais pacífica, no momento em que sentia seus fios de cabelo arrebentarem-se com a violenta puxada, ela já não se mexia mais. Ele a estuprou seguidas vezes, não havia, para ela, uma injustiça ou crime naquele ato, ela o amava. Mas sofreu, quando afogada no próprio sangue, viu nos olhos de Péricles prazer, mas não viu amor.

O apogeu de Péricles.

- Há poucas oportunidades de se libertar, e o amor é difícil de notar. -

Já não me lembro bem quando as coisas começaram a me preocupar, quando comecei a me proteger do sol, ou quando passei a temer o álcool e o tabaco, mas tenho claro em minha mente o exato momento em que tudo isso ruiu, o momento em que me tornei livre.

- Entrei, os livros já começavam a pesar em minhas mãos e no meu rosto já se entrevia os efeitos de uma caminhada para um sedentário.

-Pode deixar os livros ali. É perto não lhe disse?! Tive um longo dia, acho que mereço beber alguma coisa. Aceita?
Sim, claro!

Sentou-se ao meu lado. O mundo parou, mostrando-me com incrível clareza o momento em que caia todas as leis e obrigações. Caíram os muros que cerceavam minha liberdade. Minhas pupilas dilatavam-se e meu corpo deleitava-se.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Circus Maximus

Algo que vem me preocupando é a vulgarização dos celulares. Especificamente, daqueles dotados de câmeras. Não fosse ruim o bombardeio diário a que estamos sujeitos das ondas emitidas pelos nossos milhões de aparelhos, ainda corremos o risco de sermos flagrados em situações constrangedoras e, por que não dizer, comprometedoras.

Muitos dos pensadores modernos têm se preocupado com a questão da perda da intimidade. Os mais liberais, temem que essa quebra de privacidade se dê por meio do Estado, que é quem teria mais interesse em cercear nossas liberdades individuais, gerando assim uma população cada vez mais controlada, voltada aos interesses estatais, à produtividade e coisas afins. Bem, é uma forma cômoda de se pensar, apesar de assustadora. É o que vemos em “1984”, do Orwell. Uma visão terrível sobre a absoluta perda de liberdade, incluindo dos pensamentos e dos próprios sentimentos. Embora o livro nos dê a sensação de que o Inimigo é invencível, ainda assim é um inimigo, alguém a quem odiar, contra quem reunir forças e lutar, erguendo-se em um motim com um grito de liberdade nos lábios e paus e pedras na mão. Ainda que os revoltosos morram, eles lutaram.

Em “Mindscape of Alan Moore”, o protagonista, autor de “Watchmen”, “V for Vendetta”, “Hellblazer”, entre outras grandes obras, diga-se de passagem, conta que, em uma de suas histórias, criou uma Londres futurista em que uma há câmera em cada esquina, observando os cidadãos. Rindo, ele lembra que as autoridades acabaram gostando de sua idéia e que, hoje, Londres já vive essa realidade.
Ainda assim, é o Estado como antagonista.

O que me preocupa não é o Estado, mas os cidadãos. Cada um de nós é um espião em potencial, carregando nossos celulares com 5.0 megapixels de ???, prontos para, a qualquer flagrante, posicionarmo-nos como verdadeiros documentaristas, captando cada segundo da vida alheia.

Se um Inimigo é difícil de ser atingido, imagine milhões de inimigos. Parte da força do Big Brother vinha justamente da traição entre os cidadãos, ninguém estava seguro, nem mesmo dentro de seus lares. As crianças eram as piores, a cada comportamento suspeito dos pais já havia uma denúncia. E o que as crianças poderiam considerar suspeito senão todo um universo de coisas desconhecidas e ainda incompreendidas. Qualquer coisa, enfim.
Não havia lei no Estado absoluto de Orwell. No entanto, tudo poderia ser considerado crime. E era. Não sei se estamos seguindo este caminho, se o futuro que nos espera é justamente o sombrio e cinzento mundo em que Winston Smith aprende a amar o Estado, seu Grande Irmão.

E por falar em Grande Irmão, não posso deixar de mencionar o programa homônimo. Que aquilo é uma idiotia e que seus participantes são atores fingindo intrigas e polêmicas é desnecessário lembrar, mas quantas pessoas assistem aquele programa? Quantas pessoas obcecadas para saber o que se passa na vida de desconhecidos, sendo que sua vida está acontecendo bem ali nesse mesmo momento. Embora o telespectador não perceba , sua vida não fica suspensa durante o programa, mas é desperdiçada, enquanto seu cérebro, este sim, permanece em Stand-by.

Agora, cada um desses “espiadores” tem uma câmera em seus bolsos, prestando atenção em cada detalhe de seus companheiros de labuta diária. Um espirra torto e já aparece no Youtube. Outra é flagrada sem calcinha, bêbada, fazendo sexo com seu novo namorado ou com um cara que acabou de conhecer.

Moral à parte, nada vale a perda da intimidade, que acaba levando à perda da liberdade. Não quero ter de me preocupar em aparecer no Youtube exercendo meu sagrado direito de cometer erros.

E, por fim, embora haja muito mais, qual o interesse nessa popularização das câmeras? Conspiracionista, acredito que é realmente interesse do Estado nos manipular para que, crendo estarmos no exercício maior de nossa liberdade, entreguemo-la em uma bandeja de prata. Claro que eu não tenho coragem de dizer isso em voz alta, nunca se sabe quem pode estar ouvindo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Guy Fawkes

"Remember, remember the fifth of November,
Gunpowder, treason, and plot,
I know of no reason why the gunpowder treason
Should ever be forgot.
Guy Fawkes, Guy Fawkes, ’twas his intent
To blow up the King and Parliament.
Three score barrels of powder below,
Poor old England to overthrow;
By God’s providence he was catch’d
With a dark lantern and burning match.
Holloa boys, holloa boys, make the bells ring.
Holloa boys, holloa boys, God save the King!
Hip hip hoorah!
A penny loaf to feed the Pope.
A farthing o’ cheese to choke him.
A pint of beer to rinse it down.
A faggot of sticks to burn him.
Burn him in a tub of tar.
Burn him like a blazing star.
Burn his body from his head.
Then we’ll say ol’ Pope is dead.
Hip hip hoorah!
Hip hip hoorah hoorah!"

Que nossa causa nunca se torne perdida!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

The Thrill is Gone

A bebida cor-de-mel tinha o gosto amargo da perda. Sentia-se mergulhado até o pescoço naquele copo fundo que lhe devolvia o olhar, zombeteiramente.
Seus olhos se encheram de lágrimas, nem tanto pelo efeito do álcool lhe rasgando a garganta quanto por ter perdido a mulher que amara. A única. A mulher com quem achara que poderia ser feliz.
Era um tolo, ponderou, se antes pensava ter idéia do que era a infelicidade. Seus olhos, incongruentes, buscavam fixar-se em algo no bar escuro, mas em vão, os clientes aleatórios entravam e saíam a uma velocidade alarmante. Bêbado como estava, tampouco conseguia entender uma palavra do inglês carregado do lugar. Para todos os efeitos, estava cego e surdo. E seu paladar estava amortizado pela nicotina e pelo álcool.
Tentou se levantar. Fraco, caiu com um baque de volta ao lugar, protegido apenas pelo encosto de madeira do banco, em que se apoiou com o braço. A mão livre segurava o cigarro.
Com o impacto, sentiu o mundo balançar enlouquecido. Algo naquela inconsistência toda fazia sentido. Riu o riso dos ébrios, de si mesmo, das pessoas, da vida...e dela. E virou um moribundo novamente.
Os cabelos castanhos não lhe saíam da mente. A voz alegre, sonora, que lhe aquecia. Os olhos, profundos e gentis, era do que mais sentia falta. A forma como eles lhe buscavam, pareciam tão sinceros, tão puros. Ela era alta, quase da sua altura, e magra, o contrário da forma das mulheres que normalmente lhe atraíam. Podia ouvi-la, zombando dele, humilhando-o.
Mas, ela não havia feito isso. Era o que ele mais queria. Um motivo a mais para odiá-la.
Ele podia ouvir os passos. Seus passos, ecoando no apartamento escuro. Estava animado, seu coração batia agitado, ansioso por vê-la. Não podia se conter, pois há muito não se viam. Ele ficara fora por quase um mês, escravo do maldito contrato, em que pensara como um caminho para seus sonhos, mas que, percebia, conduzia-o na direção contrária. Cada vez mais para baixo.
Pensou em seus amigos, os outros Evangelistas. A imagem que possuía deles em sua mente estava distorcida, borrada. Quase podia senti-los mudando, transformando-se em outros, estranhos, distantes. Estavam cada dia mais distantes, mais estranhos uns aos outros. Menos ele, Marcos. Era uma montanha, imutável, fechado, uma alma isolada.
Alma. Não acreditava em alma, em espírito, em Deus ou no Diabo. Só havia um diabo no que lhe dizia respeito. E possuía lábios inacreditáveis. Lembrou-se de como Paulo misturava essas coisas abstratas de uma forma tão coerente que quase o fazia acreditar. Senão, fazia-o pensar em como o rapaz convencia tantas garotas de que aquilo tudo era a verdade. Pensava se, não fosse sua aparência de “anjo do rock”, as garotas cairiam tão facilmente naquela conversa.
Lembrou-se do pai que não conheceu. Imaginou-o vestido em um terno preto, andando por um corredor escuro, o som de seus passos ribombando nas paredes, o coração acelerado, o cigarro aceso na ponta dos dedos. O rosto diante do espelho, o seu rosto. Ele havia se tornado sua própria figura paterna, adentrando o interior de sua mente, o som do baixo em que se tornavam as batidas cardíacas. Seus cabelos, feitos de sombra, ocultando seus olhos feitos de fogo.
O fogo da ponta de seu cigarro, as cinzas. No final, o cigarro era a metáfora suprema para a vida. A partir do momento em que se acende, ela vai se esvaecendo, espalhando-se pelos ventos, e tudo que resta é uma necessidade de mais, de ter tido mais. E as cinzas. E a fumaça que empesteia o ambiente, dando aos outros a ligeira sensação de que algo passara por ali.
A angústia lhe possuía. Não conseguia mais se lembrar dEla. A imaculada visão de como era quando se conheceram. Não se lembrava mais dos momentos de amor, a amizade que possuíam. Tudo estava envenenado. Só o rosto avermelhado e marcado de suor lhe vinha à mente.
Quando saiu do corredor, abrindo a porta do quarto dela, no apartamento em que compartilharam por tanto tempo, encontrando-a, sob a luz das chamas que queimavam velas, sob um corpo masculino, em um ritual tão antigo quanto a própria vida. Ele a observou por um momento que durava séculos, em silêncio, semi oculto pelas sombras.
Naquele momento, o homem mais solitário que já existiu, ele os ouvia, as respirações pesadas, seus suspiros e oaristos. Naquele momento, ele sentiu uma parte de si morrendo. A parte que ele havia descoberto a tão pouco tempo, um pedaço de que se descobrira gostando, admirado de que existisse. Uma parte que mostrava aos amigos, sem medo das brincadeiras, da reprovação, e que se acostumara.
Não há palavras. Apenas um homem, e digo isso sem sexismo, sabe o que é imaginar o ser amado nos braços de um outro homem. É algo que atinge todo o instinto do gênero masculino, afetando os milhares de anos de existência sobre a superfície inóspita de nosso planeta. Algo imanente à nossa condição.
Vê-la daquele jeito...
Ela o percebeu. Seus olhares se encontraram e , por um momento, ela não pareceu surpresa. Nem pareceu se importar, ela estava sendo ali e ele, simplesmente, estava ali. Lá, mundos de distância dela e de seu amante. E aquela visão, aquela profanação da imagem que ele criara dela, o assombraria durante o resto de sua vida.
Um homem, negro, o cabelo raspado rente ao crânio, os lábios grossos, de onde pendia um cigarro de palha, magro e de aspecto doentio lhe observava. Seus olhos negros envoltos em uma poça amarelada, seca.
O homem sorria e falou com o uivo de um coiote.
-Agora, você tem o Blues.
Então, Marcos acordou, o pescoço dolorido, caído com a cabeça sobre a mesa. Sentiu-se enjoado e tonto. Com as mãos em sua nuca, estava Lucas, seu parceiro e melhor amigo, o homem com quem dividia os sonhos e uma ligação de quase fraternidade.
-Vamos para casa, Marcos. Você precisa sair desse lodo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Julgamento Final -Audiência de Instrução e Julgamento

Abraxas se aproximou. Em sua mão, um calhamaço de folhas brancas.
-Bem, sua audiência será em duas horas.
-Já era tempo. Faz quase dois anos que eu estou esperando.
-Bom...dois anos aqui não são nada comparados ao que poderia estar passando no Inferno.
-Isso é verdade.
-Não perca a esperança.
As duas horas seguintes se passaram entre explicações de praxe sobre a ordem dos ritos, sobre o que deveria ser falado e as reações que o finado deveria esperar.

Por fim, um anjo com uma trombeta os chamou e eles entraram num grande salão. Diante de uma mesa de mármore, um anjo com três pares de asas os observava.
-Abraxas!
-Auriel! Que prazer em vê-lo.
-Temo não poder dizer o mesmo, meu Irmão.
-Ora, ainda ranzinza! Não sei como podemos chamar isso de Paraíso, com pessoas de humor tão ruim.
-Dispense-me de seu falatório, Advogado. Traga-me o pecador.
-Ele está aqui – e voltando-se para o falecido – não deixe que o mau humor dele o perturbe.
-EU NÃO ESTOU MAU HUMORADO, ADVOGADO. Hum...bem, prossigamos. Sr. Afonso?
-S-sim, meretíssimo.
-És culpado por inúmeros pecados. O que diz antes da Condenação?
-Protesto, Auriel.
-É claro que você protesta, Abraxas. Qual a causa, desta vez?
-Você já condenou o pecador!
-Claro que sim. Os pecados foram testemunhados por Nosso Senhor. Haverá alguma dúvida sobre a existência deles?
-Claro que não. Mas há as discriminadoras, as excludentes...a Bíblia está repleta delas.
O anjo passou as mãos sobre os olhos.
-E você vai invocá-las, Advogado?
-Claro que sim. Todas elas.
-Céus. Apresente sua impugnação, Advogado.
-Aqui, Auriel – e jogou o calhamaço sobre a mesa.

O anjo pegou-o. Basicamente, era uma cópia dos autos de acusação, mais centenas de citações bíblicas específicas para cada pecado e sobre o Perdão Divino e sua Importância. Mais menções a filósofos humanos que contradiziam a existência do livre arbítrio, menções ao Determinismo, questionamentos divinos. A preferida de Abraxas era uma analogia com o contrato social de Rousseau, em que afirmava que a Aliança era um contrato propriamente dito e que, Deus, ao permitir a fome, a violência, a corrupção, as mortes, a desigualdade, estava descumprindo Sua parte no Contrato, o que tornava inexigível que os humanos, no caso o Cliente Afonso, cumprissem a sua parte.
O sorriso cresceu no rosto do anjo caído. Auriel ergueu os olhos para o Céu e seu rosto de Iluminou.

-REGISTREM-SE NOS AUTOS A APRESENTAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO. O CÉU APRESENTARÁ A TRÉPLICA. ADIE-SE O JULGAMENTO. INTIMEM-SE AS PARTES. Estás dispensado, pecador.
-E agora?- perguntou o homem.
-Agora, nós esperaremos- respondeu-lhe, sorrindo o Advogado.

domingo, 4 de outubro de 2009

Julgamento Final

-Sr. Afonso?
Estava na fila há quase dois anos e acabou surpreendido pela voz angelical que lhe falava.
-Sim?
-Senhor, estamos analisando seu processo. Aqui estão seus pecados, se o senhor fizer a gentileza de aguardar, chamá-lo-emos para que venha se defender.

As palavras foram acompanhadas por um grosso volume de capa avermelhada, com dourados caracteres garrafais: PECADOS.

-Deve haver algum engano...
-Engano nenhum. Nós nunca nos enganamos.
-Mas, aqui estão meus pecados, certo? Eu não posso ter cometido todos esses pecados! E os meus atos de bondade? Onde estão?
-O senhor morreu com sessenta anos. É muito tempo para que um humano cometa pecados. Neste volume estão todos os seus pecados remanescentes, já descontados seus atos de bondade genuína. Claro que não contamos aqueles que o senhor praticou pensando somente em si mesmo.
-Mas...
-Por gentileza, senhor. A fila é grande. Não posso me demorar mais. O seu caso será Julgado daqui a algum tempo.

Tempo. Perguntou-se quanto tempo mais ficaria ali naquela antecâmara. Por um lado, lembrou-se de que não tinha mais nada para fazer e que Eternidade é muito tempo. Afastou-se da fila e sentou-se em uma grande poltrona dourada.

Capítulo I: Infância

4 de Abril de 1953, 18 h e 51 m: Apanhou um brigadeiro da mesa, desobedecendo sua mãe, no aniversário de seis anos de seu irmão mais novo.
4 de Abril de 1953, 19 h e 14 m: Colocou a culpa no irmão.
4 de Abril de 1953, 19 h e 16 m: Riu do irmão, que chorava após ter sido, injustamente, repreendido.

Foram-se quase dois meses e o detalhismo dos fatos narrados só não lhe aborrecia mais do que o incômodo que suas costas sofriam ao serem pressionadas contra o acento dourado. O ar era fresco demais, as pessoas eram silenciosas demais graças a um grande aviso gravado em uma placa de ouro:

SILÊNCIO NA ANTECÂMARA: OS PECADORES TERÃO A ETERNIDADE TODA PARA SE LAMENTAR.

Aquele devia ser o purgatório. Mas, não era. Para todos os efeitos, ele ainda estava no Céu

Um homem em um terno escuro se aproximou. Estava empecável, alinhadíssimo. Os cabelos engomados e penteados para trás, realçando o discreto par de chifres avermelhados que lhe brotava, elegantemente, da testa.
-Sr. Afonso?
-Pois não? Vão julgar meu caso?
-Lamento, creio que ainda têm muitos outros antes do seu. Permita que eu me apresente, sou Abraxas, advogado.
-Eu não pretendo usar um advogado agora, senhor. Receio que não haja meios de safar desta. Não poderia engambelar o Senhor.
-Certamente que não, mas olhe, há muitas brechas na Lei. A Bíblia toda está repleta de casos de pessoas que contornaram rígidas posições. Algumas com Sua benção. Acredite. Não posso te prometer o Céu, mas o livrarei do Inferno.
-Sei, e o que você ganha com isso? Minha alma?
-Exatamente.
Ao ver o espanto no rosto de seu cliente em potencial, Abraxas sorriu.
-Nada tão supérfluo. Eu estava brincando. Sabe, é uma brincadeira interna entre nós aqui no Tribunal. Perdoe-me. Veja bem, como o senhor, não temos muita coisa para fazer. Somos advogados. Quando a Estrela da Manhã se revoltou, houve a formação de duas facções: os que permaceram fiéis e os revoltosos. O que poucos sabem, é que houve uma terceira. Poucos sabem porque nenhum dos dois lados gosta de assumir nossa existência. Sabe, ninguém gosta muito de advogados (a não ser quando precisam de nós, o senhor mesmo terá a chance de testemunhar minhas palavras). Enfim, não temos muito o que fazer, fomos banidos do Céu, mas somos mal vistos no Inferno. Por isso, unimo-nos e abrimos um grande escritório no Limbo para que pudéssemos passar o tempo. As causas boas como a do senhor podem nos render quase um milênio de diversão. E então, posso ver o seu processo?

Fim da Parte I

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Das Mensagens que nunca que se perdem

E das coisas que devemos ter sempre em mente.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Telefone Vermelho.

O telefone vermelho já não toca mais, a esperança depositada em um novo modelo de vida foi deflagrada pelo niilismo. Os anos se passaram e os vestígios do fascismo pairam sobre o torvelinho social. Esta onda devastadora, que arrancou e estraçalhou todo o modo de vida fundado na transformação do Homem.

A passividade notável culmina na fragmentação do sujeito. Tendo em vista, que o homem caminha pela vereda da subjetividade total, isto é, os indivíduos perderam a dimensão do realismo crítico. Conseqüência ocasionada pelo frenético e pelo acelerado mundo dos acontecimentos, que inviabiliza a reflexão e a observação dos fatos cotidianos. As grandes propostas ideológicas, hoje, encontram-se assoladas ou encurraladas pelo fenômeno niilista.

O fascismo foi e é tão devastador, que seu cheiro fétido pode ser sentido nas grandes alamedas urbanas, fazem-se tudo, mas tudo é feito sem nenhum sentido. A lógica do mundo é fragmentar o Homem cotidiano na sua ação, porque, seu poder em estado estilhaço nada tem de ameaçador, visto que tudo pode ficar como estava no estágio anterior, ou seja, passivo. O velho telefone vermelho, há tempo, nunca se viu tocar, seguindo outras tendências ele é apenas um móvel inteligível no canto da sala, mas inutilizável.

Muito se produz de entretenimento, objetos ganham vida e identidade de slogan. Neste provir o produtor do próprio produto perece. A única chama de mudança se embriaga na instabilidade idealizada do real, múltiplos sentidos são experimentados em seu mais elevado grau. Apresentável e atraente, nem forma e nem conteúdo, o niilismo consome a essência humana. As situações pré-estabelecidas e condicionadas almejam por ofuscar o sujeito na subjetividade, muito embora, as coisas que se apresentam nem sempre possuem finalidade ordenada.

É sabido que nem sempre a obra faz o artista, muito embora, a obra de um artista esta na sua expressividade por buscar um canal de comunicação. Diante desta circunstância o cotidiano é permeado pela subjetividade, a qual e por meio da espontaneidade busca expressar a criatividade. Por mais brutal que seja a ânsia de ofuscar o ser social, nada é tão irredutível quanto à subjetividade do ser. Podemos até conceber uma realidade de finalidade ordenada, que tenta por aparatos coercitivos enquadrar a vida e as ações. Mas o niilismo nas medições da subjetividade do Homem se acua.

Alhures o telefone vermelho é apenas um sonho consciente, fora de lugar e impreciso um peça sem utilidade. Neste tempo paradigmático, ou seja, de mudanças, o “novo” não se apossou de tudo, visto que algo ainda persiste nas entranhas sociais. As velhas buscas e projetos de construção do real continuam a suspirar. Consoante a tal perspectiva, a “loucura” panfletada pelos sonhadores é até intrigante, o modo como esta dita “loucura” brota pelo chão e passa por processos rigorosos de vigilância monitorada. Fazendo do poder “soberano”, a grande instabilidade, pois, diante da ação imprevisível a “loucura” impera com grande furor sob a intuição da ordem. A dissolução dos contextos degrada a poética da vida cotidiana e grande parte da concretude Humana fica na oscilação harmônica, a qual acarreta o niilismo absurdo na não reinvenção da vida.

O insustentável pêndulo de uma falsa esperança vã, que se quer fez barulho e não se faz valer passa por um processo corrosivo. O qual o niilismo, juntamente com o fantasma do fascismo tenta destruir e fragmentar, todavia, é diante da subjetividade que buscamos através do desenvolvimento criativo reavivar o que está em estado mórbido. Digno de observação a “loucura” sempre nos intriga, algo que o nosso telefone não o fez, pois neste estado de caminhada solitária a espontaneidade e a imprevisibilidade é a luz de nossa subjetividade.

O niilismo com suas situações previsíveis de banalização do cotidiano não haverá de ir até o fundo de sua ação, pois nasce aqui um novo aparato de guerra, a poética cotidiana.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Three o' Clock Blues

-Então, o que achou?
-Uma grande merda- respondeu.
-Z.Z. Top?
-Não...- desviou os olhos para o televisor a cores, um verdadeiro milagre - se bem que esses caras não deveriam ter saído de seus caminhões.
Lucas riu. Aquele sarcasmo era a virtude e o pecado de seu melhor amigo. Um sarcasmo a que havia se acostumado a uma centena de anos, desde quando eram pequenos. Enquanto ninguém se metia com aquele garoto metido a engraçadinho, Lucas ofereceu-lhe a amizade. Desde então estavam sempre juntos e passaram a partilhar do mesmo amor pela música.
Aos fundos uma outra conversa, com as vozes alteradas pela bebida e sabe-se lá qual outro tipo de drogas.
-Eu to te falando. Eu vi Deus. Estava viajando e tocando meu piano e então, Ele apareceu feito de luz e som. Uma imagem incrível e se gravou em minha mente e me libertou.
Marcos tentou ignorar aquele diálogo lisérgico.
-O que você acha uma grande merda, então?- perguntou-lhe Lucas, tentando emendar o assunto.
-Essa porra dessa gravadora. Esse contrato de merda. Não era isso que a gente queria.
Estavam em New Orleans. Há cerca de um ano fizeram um show em uma casa em São Paulo. Um grande show, diga-se de passagem. E o destino os brindou com um figurão americano que lhes propôs, ao custo de suas almas e de alguns meses de suas vidas diria Marcos, um contrato para viverem e tocarem na América. Abririam alguns shows de bandas maiores e gravariam os instrumentos de outras bandas e, enfim, poderiam gravar seu próprio disco e fazer sua própria turnê.
Mas, aqueles “alguns meses” estavam levando tempo demais. E, só haviam começado a gravar seu disco há um mês. E a gravadora insistia em intervir, dando palpites e solicitando modificações. Não bastasse isso, os próprios companheiros de banda estavam criando problemas. Quando não era a excentricidade de um, era a ausência de outro.
O Pingado, apelido carinhoso do baterista que, quando os quatro se reuniram para beber pela primeira vez, quebrando regras e tabus, pediu ao balconista meio copo de café e meio de leite misturados. Enfim, o Pingado arrumara outros trabalhos, colaborando com outras bandas da gravadora, passava mais tempo em viagens do que com a Banda. Era raro quando podia estar junto dos outros gravando. Neste momento, solava dentro da cabine de som.
-Mas, estamos aqui gravando não é?- disse Lucas, embora ele mesmo não estivesse satisfeito.
-E Deus começou a falar comigo, a voz dele parecia uma guitarra distorcida. E ele falou durante horas e quando eu vi, não havia se passado nem cinco minutos- interrompeu Paulo.
-Não fode, Paulo. A gente tá tentando usar o cérebro aqui. Lembra o que é cérebro.
-Porra, Marcos. É Paul.
Marcos se levantou e encarou seu amigo.
-Só há um Paul. E ele é um Beatle.
-Havia. E não é mais. Paul Mcartney está morto. A mídia toda tentou encobrir. Colocaram um sósia no lugar dele para esconder. Eu já te contei. John, meu outro xará, está cheio de remorso. Olha os sinais nas capas dos discos.
Marcos estava cansado de toda aquela bobagem. Quando não era a conspiração envolvendo a suposta morte do Sr. Mcartney, era o envolvimento de Jimmy Page com magia negra, ou então alguma merda esotérica que ele havia aprendido com a hippie com quem fodia. Não bastasse isso, o nome dele era João Paulo. John Paul agora, em homenagem aos seus ídolos. Ah, e não suportava ver o amigo entupido de drogas.
-Cara, eu não tenho tempo para essas merdas.
Uma batida na porta interrompeu aquela discussão. Marcos foi abrir. Um homem de terno, óculos escuros e um estojo lhe sorria. Cheirava a maconha. Outro imbecil para lhe torrar o saco.
-Você deve ser o Sr. Marcos- disse o homem, seu inglês com um forte acento sulista- sou o saxofonista que a gravadora mandou.
-Hã?
-A gravadora não falou com o senhor? Eles me mandaram para gravar umas faixas. Eles disseram que seu som é cru sem o sax.
O rosto de Marcos assumiu uma feição de ódio incontido.
-E ENFIA ESSE SAXOFONE NO SEU RABO- gritava, enquanto chutava o saxofonista para fora do estúdio, inconsciente ao fato de que falava em português e de que o homem não lhe entendia uma palavra sequer.
-Cara, você tá um pouco descontrolado- disse-lhe Paulo- vem cá que eu vou energizar os seus chakras.
-Pro inferno com seus chakras, seu hippie de merda.
Marcos deixou o estúdio. A porta bateu em suas costas e ele acendeu um cigarro. Olhou para sua Harley parada na entrada. Iria a pé. A noite estava ótima e precisava de um pouco de ar.
Eram três da manhã quando Paulo saiu do estúdio. Ele ficou até mais tarde, esperando que Pingado se cansasse dos bumbos e pudesse gravar alguma coisa. Em vão, o Pingado nunca se cansava.
Deu de cara com a Harley do Marcos. Voltou para o estúdio e achou as chaves, deixadas sobre a mesa da TV. Que sorte.
Pegou a estrada. Gritava e uivava como um louco para a lua. Os alucinógenos em sua mente fazendo-o assumir seu lado mais primitivo. Sua bata colorida erguida pelo vento, assim como seus cabelos, loiros e encaracolados.
Largou o guidão. Neste momento, Deus lhe apareceu. Grande e dourado. Feito totalmente de luz e glória. As trombetas dos anjos lhe anunciavam. Paulo, emocionado, abriu os braços para recebê-lo.
-Senhor, a Ti eu me entrego.
Infelizmente, Deus era um Scânia V8 de 350 cavalos.

domingo, 9 de agosto de 2009

Continuação

O rosto de Péricles tornou-se rubro. Não esperava aquela resposta. Durante meses, a " Arte de Conquistar Pessoas" fora tão sedimentada em sua mente que aquele completo fracasso tirou-lhe as palavras, e a tão batalhada confiança.
Mas ela riu.
-Olha, você ficou vermelho.
-É...eu...não...não fiquei.
-Ficou sim. Me desculpa, tá? Vamos começar de novo. Como você chama?
O jovem, ainda desorientado, passeava os olhos do rosto belo da garota para os seios, ocultos pelo volume de livros. Ela, inocentemente, ou tão inocente quanto uma garota após a menarca consegue fingir ser, agiu como se ele estivesse, galantemente, preocupado com tão imenso peso em braços tão delicados.
-Péricles.
-Credo, que nome feio.
-É grego.
-Eu sei de onde vem. Não gosto de ler, mas não sou burra. Olha, por quê você não me ajuda a levar estes livros em casa?- Disse-lhe ela, emupurrando-lhe os livros.
Péricles, ofendido pela inibição da moça, pensou em negar-lhe aquela ajuda. Seria como um tapa pelo insulto. Quem aquela insolente pensa que é, pensava ele já com o peso dos livros sobre os braços, levando-os ao balcão. Logo, já estavam longe.
Caminhavam lado a lado. Ela, pequena e ágil, era como uma flor levada pelo vento. Ela era empolgada, ria-se à toa e sua voz era confortante. Ele, por outro lado, todo tenso, andava encolhido, o que fazia com que suas formas perdessem o ar masculino, viril, e assumissem uma aparência cansada, frágil.
Além daquela voz agradável, que parecia surgir sem nenhuma dificuldade, sempre trazendo assunto, sempre com uma resposta ou uma observação, Péricles foi recompensado com o busto da morena e seu delicioso decote, o qual o fazia perder a concentração e contra o que lutava em prol de sua dignidade.
Ela, mulher, divertia-se com aquele descontrole interno, ao mesmo tempo lisonjeada e com ânsia de provocá-lo mais e mais. Não que não estivesse cansada de exercer o magnetismo de seus dotes e ver o animal-homem vir à tona, perdendo a compostura e o respeito. Mas, aquele cara era diferente. Um homem qualquer não se preocuparia em evitar ser descoberto pela mulher, em evitar olhar e parecer interessado. E ele parecia realmente interessado.
Ela era um gênio na arte da sedução. Na arte de conquistar. Sua auto-estima era o de qualquer mulher consciente de sua beleza. Ela gostara dele e iria ensiná-lo.
-Só mais um pouco, Péris. Minha casa é logo ali.

Fim da Parte II

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Alguem continua?

Tudo parecia novo. Um novo recomeço de tudo. Péricles, bom moço, estudado, companheiro, atencioso, buscava pelos arredores do mundo companhia. Não era dos mais belos, mais sua simpatia e capacidade faziam dele um rapaz interessante.
Hoje, saiu de casa decidido a encontrar alguém para lhe fazer companhia. Tinha certeza que desta vez as coisas aconteceriam como planejado, suas aulas de “Como ter auto-estima elevada?” fizeram com que, Péricles, tomasse essa decisão.
Caminhando pelas ruas, Péricles vê aquilo que ele chamaria de “mulher perfeita”, morena, alta, olhar intenso e sedutor, de jeito descontraído; carregava no colo livros, vários deles, estava a caminho da biblioteca, a mesma que Péricles se dirigia.
Entraram praticamente juntos. Péricles nervoso, afinal não tinha muita intimidade com mulheres, sempre fora aquele rapaz mais reservado, não confiava muito em si mesmo.
- Olá – disse Maria, para Péricles.
- Olá – respondeu Péricles, surpreso.
- Já te vi algumas vezes, por aqui. Gosta de ler?
- Hum, é uma das poucas coisas que gosto de fazer.E você?Gatinha?
- Ah, eu não gosto de ler não. E gatinha é sua mãe!
...Continuem, nobres amigos escritores

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um domingo qualquer.

Na rua passavam carros, e pessoas, e bicicletas, e coisas. Elefantes, elefantes não passavam, mas se passassem não seriam mais que um “e” na linha anterior.

Observava tudo, entediado, com o humor de uma criança politizada, que riria dos jornais, mas não sabe ler.

Onde estava? Onde estava a poesia? Quando as desgraças não impressionavam mais, quando as guerras e crises e doenças iam e vinham com a apatia de um leproso, quando o sexo já havia se burocratizado, e o outrora gigante violáceo chamado amor não merecia muito mais que um olhar.

Há vezes em que não se quer chorar nem mesmo a morte de um grande amigo.

Restava sempre, ao menos, a possibilidade de observar. E observava. Pessoas boas e más, distinção meramente estética. Já não confiava mais na bondade dos olhos alheios. A ingenuidade é cruel como as crianças e, a bondade é só o que resta a quem não tem chance de ser mau.

Um homem passou ao seu lado, elegante, apressado. Outro homem voltava, roto, apressado. Produziam.

Pensou na produção, para que servia? Inicialmente achou que fosse para a subsistência humana, achou a resposta completa e bonita, mas teve de abandoná-la logo, percebendo que a maior parte de tudo o que é produzido é tão inútil como os cabelos do dedão do pé. Deduziu que ela servia para nos preocupar, não mais que isso. Não deixar que em algum momento a humanidade se sentisse inútil. Mais ou menos como dar um pequeno serviço a um velho ou um vídeo-game a uma criança, eles, silenciosamente, sentem-se úteis.

É possível que tenha deduzido certo.

Resolveu dar uma volta, entrou no carro. Confortável. Um brinde aos preocupados com a produção! No rádio, vendiam amor com o mesmo ritmo e outro refrão.

Virando uma esquina qualquer, por certo com o nome de algum corrupto que escondia dois ou três crimes atrás de uma fortuna, atropelou um homem, gordo, mole, repulsivo.

Não parou, não porque tivesse medo ou fosse mau, mas porque nem no assassinato tinha visto a poesia que procurava. Talvez matar Aquiles ou Hércules reservasse algum charme, mas não aquele bípede sedentário.

No dia seguinte, leu uma pequena nota no jornal, falava a respeito da morte de um tal Roger, solitário, sem parentes, fortuna ou idéias que morreu com a mesma glória do cachorro que um dia teve. Mais uma morte sem poesia. Mais uma história boba de jornal.

Esse é o cara?



Vladmir Putin, depois de matar alguns "XEXENOS" dando voltinhas à cavalo na Sibéria. Demonstra-se preocupado como todos podem notar!MAFIOSO???
Mais essa foto ficaria mais bonita com o Sarney ao lado e o MALUF ( com seus 300 milhoes) atras rindo com um charuto na boca!!!

Historinha Boba

Era tarde, á-toa, nada para fazer, Roger, cansado; tédio, aquela paisagem urbana, suja, poluída, cinza, era tudo. Acendeu um cigarro, a fumaça agora fazia parte também daquela tarde, nebulosa.
-FIUUUUU - soprava a fumaça, Roger, encabulado – “Que merda de vida não tenho. O que fazer?”
Então, Roger, decidiu tirar seu fétido traseiro de sua velha poltrona, já melada à tempo, pela falta de higiene e pela colaboração de seu saudoso cão Astolfo, que deus o tenha.
-Puts, o Astolfo faz uma falta. Deveria ter cuidado melhor dele. Agora, ele seria uma boa companhia, ele era o único que realmente me entendia. Merda de cachorro, porque foi correr atrás da Berenice. - disse em voz alta descendo o elevador.
Astolfo era um bulldog bem babão e preguiçoso, assim como Roger. Todavia, Astolfo era mais bem relacionado que Roger( pobre Roger, sempre sozinho), por onde andava Astolfo era reconhecido, em seu estilo largado e babão, perambulava pelas ruas da cidade atrás de uma cadelinha no cio.
Foi, então, na lembrança de Astolfo, que Roger pensou: “Puts, preciso encontrar a minha Berenice, e lhe dar uma bela fodida!”
Há tempos, Roger não se relacionava com ninguém. Tornara-se uma pessoa completamente associal, sem amigos, sem mulheres, fato este, desde quando, Afrodite sua emprega-amante morrerá.
- Ó Deus, que mulher! - dizia Roger ofegante, mais já não repete essas palavras.
Afrodite, boa mulher, daquelas que não reclamava de nada. Limpava, cozia e dava...
Sempre atenciosa, nunca deixará com que Roger sentisse o tédio da vida. Cozia as mais deliciosas comidas e depois dependendo da vontade do nosso preguiçoso, Roger, sem pestanejar oferecia seu voluptuoso corpo.
Passa pelo porteiro: - Bom dia – diz Roger afávelmente. Este assustado, afinal não o via à tempos.Pensa: " Puta merda, esse filha da puta e porco ainda é vivo!”. As qualidades atribuídas a Roger não eram mero preconceito do porteiro Maxwell (leia-se Max, o bem). Roger, desde a morte de Afrodite, não fazia nada, entrara em uma depressão (eu diria DEPRESSÃO mesmo, aquelas bem profundas e melancólicas); ele não se lavava, não tirava o lixo, não comia direito, vivia em um verdadeiro galinheiro, a vida perderá o sentido.
Mais, como diz a o ditado: “ O Mundo da voltas”, Roger parecerá querer recuperar o vigor, robustez, virilidade. E então, não dá muito valor ao repúdio demonstrado pelo porteiro.
Já na rua, Roger, caminhava fumando seu cigarro olhava as nádegas femininas, parecia outro homem. Mas, por um instante, Roger olha para uma mulher, imagem-semelhança de Afrodite, e perturba-se: “ Que merda, eu querendo foder algo, e acabo fodido”, a lembrança de Afrodite ainda o machucava muito.
Foi então, que para piorar as coisas Roger vê Berenice.
- Era só essa que me faltava, Berenice, sua CADELAAAAAAA!
E ao atravessar a Rua, Roger voltou para os braços de Afrodite, e novamente, pode sentir as lambuzadas babadas de Asftolfo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Em homenagem.

"Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim.
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás."

John Donne

sábado, 25 de julho de 2009

Homem Mana

Na ociosidade do sétimo dia, a verdade velada por Deus já não se sustentará. É curioso, que na estruturação de um valor havia uma paródia sem grandes emoções de humor. O ideal seguido pelo Homem, nada mais é que um aparato engenhoso, discursivo e sem sofisticação.


Notavelmente somos cercados por criações valorativas revestidas de idealização. Falo isto, pois, no afastamento da condição de Homem, ofuscaram a tragédia do ser, visto que a vida e o pensamento foram substituídos pela racionalidade das idéias. A práxis humana é cada vez mais rara na vida cotidiana, tudo passa estar impregnado de convenções e modelos pré-estabelecidos. Foi-se acatado tudo e a tudo não se acatou, questiona-se nada mais além do que o confortável.


Todo discurso é passível de desconstrução, e, a legitimidade dele funda o poder estabelecido sob uma lógica de valor “justo” e ideal. Em meio a esta excitação percebemos que a lógica do discurso é excludente, ou seja, sempre haverá das negativas e das positivas perspectivas. Tal fato nos coíbe de assumir a dialética da vida e buscar uma terceira margem. Saltando em parafuso a concepção idealista nada mais é que uma sublimação exagerada do discurso não superado.


O conflito das relações humanas está na troca mal sucedida e a dosagem dele determinada a situação limite de superação entre o real e o ideal. Estar emanado do agora é poder caminhar pelas próprias vias, recriar e reconstruir de forma assaz as várias possibilidade de discurso. Pois, o que convêm para o Homem existente?

sábado, 18 de julho de 2009

How Blue Can You Get?

-Matar é errado, bro.
-Morrer é errado e no entanto...- sua voz morreu.
-No entanto as pessoas morrem.
-Outras voltam para nos atormentar. Diga, eu estou tão ruim assim? Já estou tendo alucinações!- Sua voz era quase divertida.
-Claro que não. Eu morri entregando minha vida ao Senhor. Meu último suspiro foi em nome dEle. Eu me tornei um anjo no pós vida, bro.

A gargalhada explodiu em sua boca, seus olhos se enchendo de lágrimas. Teve de colocar a garrafa no chão. Não sabia se era pior ver o fantasma de um amigo há muito
morto ou ter de ouvir as besteiras que ele lhe dizia.

-Você, um anjo, está aqui na Terra, conversando justamente comigo! Você tá no inferno. Sartre, lembra?
O fantasma riu.
-Além disso- ele continuou- quem falava “bro” era o Pingado. Você é uma alucinação das mais terríveis.

Era engraçado, ao final das contas. Rever um grande amigo, em quem há muito não pensava. Ele ainda era do jeito que se lembrava. Cabelos grandes, que terminavam, abaixo do ombro, em grandes caracóis dourados. Usava um bigode e seu queixo também era coberto por pêlos. Parecia um mosqueteiro. E um hippie. Sua túnica branca era a mesma que ele usara nos idos anos 1970, inspirado em Robert Plant. Mas usava auréola agora.

-Nada. Se eu sou feito das suas lembranças, elas é que são uma bosta. Uma bagunça. Você não se lembra de quase nada do que viveu. Se visse um filme da sua vida, acharia que colocou o vídeo errado para rodar. Você era um caos e não fez muita coisa para melhorar.

As palavras continham uma seriedade, que o assustou. Não que fosse intencional. Paulo não faria isso com um amigo. Não com o karma andando por aí em sua Harley, com seu caderninho, anotando os erros e acertos das pessoas. Mas, Paulo estava morto e precisava parar de levar essa conversa a sério.

-Sabe- disse o fantasma- você deveria levar essa conversa a sério.
-E você deveria parar de ler meus pensamentos.
-Eu não estou lendo. Nós estamos misturados. Lembra?
-Vá direto ao ponto. Por que você veio?- Ele se levantou. Caminhou até sua estante, atravessando um lençol embolado no chão e uma caixa de fotos, caída. Colocou a garrafa de whiskey em cima da prateleira, ao lado de uma fotografia sua, vestido de terno e gravata pretos e uma garota, os cabelos de um castanho claro que o fazia pensar em dias melhores. Pegou um maço de cigarros uma prateleira acima.
- Por que você precisa de mim, bro. To preocupado com você. Essa merda toda em que você se enfiou. Essa fossa. Isso tudo vai piorar agora.
-É...a Yoko morreu.
-Sério? Caralho, essa eu precisava ver. Ela destruiu os Beatles.
-Não essa...-ele disse, rindo- a nossa Yoko. Lembra? Era assim que você a chamava.
-É...eu lembro. Tava só tentando te animar. Ela mexeu mesmo com você, não foi?

“Mexeu” era dizer pouco. Ela era o amor de sua vida. A razão de sua existência. Mesmo quando ela ferrou com tudo, sua vida passou a ser esquecê-la, apagá-la da memória, profanar as lembranças boas.

-Me diga uma coisa, Deus toca teclado?
-Bro, e como toca!- disse o fantasma empolgado- Mas, não é um teclado. É um piano de cem mil teclas feitas de mármore branco e preto. O som se transforma em cores e toda a realidade estremece. O próprio tempo fica distorcido.
-E por isso que você só chegou até mim hoje? Ficou ouvindo o concerto celestial e me deixou levando na bunda esse tempo todo?
-Bro, me perdoe. Desculpa por não ter aparecido antes. Mas, acredite, só agora as coisas ficaram pretas. Já decidiu o que fazer?
-Claro. Eu sou o compositor, lembra?
-Pois, preste atenção. Você tem escolha. Não deixe esse véu de fumaça se fechar. O mundo não é preto e branco, como você pensa.
-Não. Ele é multi colorido, como você enxergava. Seu cérebro cheio de ácido. E, ainda assim, olha onde você foi parar. Uma alucinação das mais toscas.
-Se eu sou uma alucinação, como eu sei que o telefone vai tocar?
O telefone tocou, despertando-o.
-Marcos?- disse, por trás de um milhão de quilômetros transformados em ruídos na linha, a voz chorosa marcada pelo sotaque.
-Quem? Anne?
-Carol... is dead.

Yoko estava morta. Afinal de contas. O telefone ficou pendurado em sua mão. Ouvia o choro engasgado do outro lado da linha e nada mais. Sua cabeça parecia a “Vinte e Cinco” em véspera de natal.

O sonho acabara. Literalmente.

Mais tarde, no avião, concluiu que despertara ao segundo toque do telefone. O primeiro havia sido transformado, pelo seu Inconsciente, na previsão de seu amigo.

O sonho, com o anjo e tudo mais, havia sido coincidência. Meramente.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

terça-feira, 14 de julho de 2009

Brincadeira.

Brincavam todos os dias, a tardinha, depois da aula. Às vezes discordavam na brincadeira, ele gostava mais de pega-pega, ela de pique - esconde, ele era mais rápido, ela mais esperta.

De quando em quando, correndo, se embolavam e caiam, ela mais lenta, demorava a se levantar, o que o obrigava, por estar também impossibilitado de se levantar, à ficar com aqueles cabelos longos e escuros, que um tinham um cheiro doce que ele gostava menos do que mais, a lhe atrapalhar a respiração. Ela estava sempre a jogá-los e quando os jogava sorria, ele não entendia, achava que aqueles cabelos a incomodavam e tinha por certo que se ela pudesse teria cabelos tão ou mais curtos que o dele.

Algumas vezes à tarde o garoto da rua de trás passava calmo, no caminho da bola ou em frente o pique, sempre interrompendo por instantes a brincadeira, tanto pela inconveniência física como pela presença que tanto incomoda a cumplicidade daqueles que até então não estavam sendo observados.

Ela sempre dizia a ele que odiava aquele, ele era indiferente.

Ela tinha muitas bonecas com as quais algumas vezes brincava se dizia mamãe de todas elas. Reclamava às vezes com ele que elas precisavam também de um papai, ele por mais que pensasse não lembrava de ninguém para ser pai das bonecas e dizia que o pai dela podia ser o avô e, com muita lógica e propriedade, deduzia que já estava bom para bonecas que não sabiam e improvavelmente aprenderiam a diferença entre um pai e um avô.

Ele preferia futebol, mas não gostava de jogar com ela. Ela não gostava dos resmungos, das cuspidas no chão e das ameaças de surra, sendo que tudo isso é tão parte do futebol como a bola.

Às vezes ela sugeria que se escondessem no armário nos fundos da casa dele, ele não gostava, achava o armário muito apertado e, além disso, tinha sempre o cheiro daqueles cabelos que rapidamente inundavam o ambiente.

Certa feita, brincando a tarde como sempre, ela jogou os cabelos como sempre, o garoto da rua de trás passou, olhou e sorriu, ela desviando os olhos de uma forma que ainda se visse seu rosto, também sorriu. Nesse instante ele pela primeira vez lançou um olhar malicioso sobre um acontecimento.

Tardio.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Home of the Blues

-Filha, você é bonita demais para esse negócio.
-Não me chame assim. Corta o tesão.
-É assim que eu falo. Sou velho. Os velhos tratam as crianças como filhos- disse, acendendo outro cigarro.

Ela sorriu. Um sorriso doce, belo. Seus lábios, grandes e cheios, eram de um marrom claro muito mais cativante que o vermelho artificial do batom que normalmente usava. Os olhos, castanhos e profundos, acompanharam o sorriso, mas fugiram, buscando sua testa. Os cabelos grisalhos que lhe brotavam nas têmporas. Ela pegou o cigarro e tragou.

-É carinhoso.
-Claro- o som de sua risada mexia com o coração dele, fazia-o sentir vontade de tocar algo em seu violão- mas, você não é velho. Tem o que, vinte e oito?
-Tenho trinta, senhorita. E é bom ter um pouco de respeito comigo, jovenzinha.

Ele não sorria. Nunca. Mas, seu tom era amável e menos dolorido que o costumeiro. Ela o fazia sentir-se perigosamente feliz, o que não era recomendável em sua profissão. O calor do corpo dela o excitou, sentiu seu peso sobre sua barriga e pernas quando ela girou por sobre o corpo dele. Ele passou os braços pelas costas dela e beijou-lhe os lábios.

Meia hora depois, ele se vestia ao pé da cama. Ela, já vestida, olhava para sua estante. Não era a quantidade de livros que a impressionava. Ela não era versada nestes assuntos. Não entendia de literatura ou de política, muito menos de teoria musical. E eram os principais assuntos. Tampouco entendia o que diziam as lombadas, quase todas em línguas estrangeiras.

Não, seus olhos não encontraram o que se interessar entre os tomos empoeirados, mas foram atraídos por uma estatueta. Era uma mulher esculpida em pedra sabão. Os braços pareciam apoiar a cabeça, formando um triângulo, os seios fartos, bem definidos. Muito detalhada. Era incrível.

-Garota, eu toco blues. Não me faça passar fome- Ele estava sorrindo, seu coração passava pelo que ele chamaria de amor adolescente- Mais fome.

Ele estava apaixonado, não tinha dúvidas. E ela, coincidentemente, admirava uma representação de Afrodite.

-É linda. Quem é?
-Afrodite. Deusa grega do amor. A prostituta do Olimpo. Divindade perigosa, de muitos amantes. Tome cuidado, dizem que ela é ciumenta.

Enquanto falava, ele a abraçou pelas costas, sentindo novamente seu calor no peito nu. O vestido dela era simples, de um preto desbotando. O contraste com sua pele muito branca lhe dava um tom fantasmagoricamente sensual.

-E é um falo- vendo a incompreensão no rosto da garota, traduziu- um pinto. Olhe a sombra.

A garota atentou para a sombra da estatueta que se projetava na estante e viu. Seu olhar estava maravilhado.

-É um símbolo- ele continuou- não sei direito o que significa, mas deve ser algo sobre unir o masculino e o feminino em nossas vidas. Sabe, uma metáfora da psicologia do Homem. De como nós nos completamos e de como há sempre dois lados, um positivo e um negativo em todas as coisas.

-Ah...-e, neste ah, continha-se o desinteresse que ela sentia pelas palavras- onde você comprou?
-Ganhei. De um amigo em Nova York. Há uns- tentou lembrar- alguns anos, eu tinha vinte e cinco. Ou quase, não me lembro ao certo. Disse que era grega mesmo. Fique com ela.

A garota segurava a estatueta, enquanto ele pegava uma camiseta preta do chão e a vestia. Outro cigarro pendia de sua boca, ainda apagado. Por pouco tempo. Seu quarto era uma bagunça. Os lençóis estavam jogados ao lado da cama. E havia livros, sem contar os da estante, espalhados por todo o lado. Um Bakunin caído no rumo de seu travesseiro chamou-lhe a atenção. Ele pegou o livro e viu as páginas amassadas.

Aquilo machucou. Sua relápsia o irritava. Havia ainda um violão em algum lugar. Levantou umas roupas e achou-o submerso naquele mar de desordem. Colocou o livro sobre uma cômoda, em que havia um espelho onde se olhou.

-É sua.
-Não!
-Estou te dando. Uma deusa não pode se sentir bem num lugar como esse.
-Como assim? Olha, eu...não sei o que dizer, mas não posso aceitar. Não sei o que vai ser, mas não a quero. Ela é tão bonita e nunca se encaixaria comigo. Preciso ir.
-Você também é bonita. E não é pouco.

Ela o beijou, apressada. Ele tentou segurá-la mais um pouco, estender o momento. Mas não conseguiu. Ela lhe escapou. Deixou-o com o falo na mão, literalmente, e saiu. Ele a ouviu andando pelo corredor. E depois, ouviu o elevador chegando.

Ele acendeu o cigarro, enquanto admirava a estatueta. Nunca havia parado para pensar a respeito dela. Antes de mais nada, ela lhe era apenas o sentimento de alguém de quem gostara há muito tempo. Uma mulher a quem amara e que nunca mais veria. Às vezes, os símbolos têm o significado menos profundo. Nada de ambigüidade, mas simplesmente a lembrança. Debruçou-se na janela da sala, sua mente viajando a quilômetros dali, em um tempo passado que ainda lhe assombrava.

A garota saiu do elevador e dirigiu-se para a porta do hall do prédio, que se abriu com um estalo. Ela desceu as escadas, seus cabelos loiros erguidos pelo vento. Estava frio ali fora e ela desejou ter ficado no apartamento enfumaçado.
Seus pés tocaram a calçada no instante em que a estatueta se estilhaçava a seu lado.

Thadeu

sábado, 4 de julho de 2009

Diálogos que constroem meu caráter

(...)
-Mas e aí, filho, comeu o abacaxi que seu pai descascou?
-Não.
-Como não?
-...
-Você não tem consideração alguma com a sua família. Seu pai não precisava ter feito isso e você retribui dessa forma? Seu preguiçoso, pq ele teve que abrir o abacaxi para você, pq não tem coragem de pegar uma faca e descascar! Tava uma delícia aquele abacaxi e você agradece assim. Porque é um absurdo! Um disperdício.Olha, filho, eu não sei o que eu faço com você, cada dia você me decepciona mais. Que que você fez com o abacaxi?
-Suco.

sábado, 27 de junho de 2009

Literatura

IRONIA

Ironia! Ironia!
Minha consolação! Minha filosofia!
Imponderável máscara discreta
Dessa infinita dúvida secreta
Que é a tragédia recôndita do ser!
Muita gente não te há de compreender
E dirá que és renúncia e covardia!
Ironia! Ironia!
És minha atitude comovida:
O amor-próprio do Espírito, sorrindo!
O pudor da Razão diante da Vida!

(Raul de Leoni)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

METRÔ LINHA 743

(Raul Seixas)

Ele ia andando pela rua meio apressado
Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais caro do melhor banquete é
O que se come cabeça de gente
Que pensa e os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado!
Desculpe minha pressa, fingindo atrasado
Trabalho em cartório mas sou escritor,
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743!!

O homem apressado me deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão,
Um gritou: Mão na cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos cornos
Eu disse: Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui...
Outro disse: Não interessa, pouco importa, fique aí!
Eu quero saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída, solta no chão
Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743

Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha
Eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiéte
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este desgraçado dono desta zorra tôda?
Já ta tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio é que da muito bandeira
da bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério prá vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Metrô linha 743

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Sweet Blues for You

Os acordes do pianista solitário preenchiam o ar. A fumaça preenchia o lugar. O negro tocava, com paixão, o mais puro blues. As pessoas não esperavam outra coisa, seus pensamentos acompanhavam o compasso. Lento, violento.
O blues preenchia aquelas pessoas.
O homem mal era visível, apesar de estar no meio do salão, em frente ao palco, sua mesa solitária era a primeira, a névoa, espessa e seca, envolvia-o. Sua cabeça estava baixa, coberta por um chapéu preto, seus olhos, ocultos por óculos escuros. Um cigarro pendia de sua mão, mas ele quase não fumava. Assim como o whiskey em sua mesa que ele quase não bebia.
O blues era um estado de espírito. O cigarro e o whiskey ajudam a atingir tão magnífico estado. A solidão. Amores fodidos e sonhos perdidos também. Ele não precisava destes catalisadores. Não nesta noite.
Deu uma tragada profunda, a chama do cigarro brilhando mais forte. A seus pés, um estojo. Seu contrabaixo elétrico. Seu melhor amigo, a fonte de onde jorravam seus pensamentos. Seu dom e sua maldição.
Agora, a última banda da noite se apresentava no palco. O cheiro do cânhamo proibido era intenso. Um odor agradável. As pessoas sorriam, anestesiadas. O frontman o reconheceu. Encerraram a música e o chamaram ao palco. Ele não hesitou. Estava ali para isso.
Sentou-se de frente para a platéia. Deitou o estojo e retirou o velho contrabaixo de dentro. Era preto, mesmo o escudo. Sorriu para seus colegas de palco. Disse-lhes para tocarem um clássico. Os outros sorriram, concordando.
Começou a tocar, sem pensar no que fazia. Seus dedos sabiam o caminho, então os deixou passearem. A música falava mais alto sempre. Ela simplesmente fluía. Como o suor no corpo dos amantes, como a saliva do faminto.
O pianista reconheceu os primeiros acordes e, após tragar demoradamente um cigarro do diabo e atirá-lo às pessoas da platéia, acompanhou o baixista.

“...in the house of Love...”

Sua voz grave fez as pessoas se arrepiarem. Mesmo os músicos à sua volta se impressionaram. Agora, já cientes da música, também o acompanhavam.
Ele, por sua vez, via à sua volta os espíritos do Blues. Não gostava de metafísica, de religião ou algo do tipo. Seu deus era a música. Mas, pensou consigo mesmo, se acreditasse, teria visto Mojo ali e outras entidades do vodu ao seu redor. A idéia o empolgou. Estava invocando os espíritos protetores de uma religião negada. Ele, um branco, encarnava os negros norte americanos, oprimidos e já mortos.

“I know the word… that you love to…hear”

Mas, só acreditava na música. Não gosta de homens ou de animais. Só de notas e acordes. Guitarras e bumbos. Cordas e teclados. Achava que a bebida despertava a poesia imanente em todos os homens e, por isso, era necessário. A bebida libertava. Só o bêbado era sincero. Só o bêbado sorria.

“...I can see you...”

Vivia a vida em grandes goles. Mas, sua garrafa estava já no fim. Seu pé derrubou o estojo, com o veludo caído em sua direção.

“I know your deep and secret fear”

Quando a música cessou, os músicos abandonaram seus instrumentos para cumprimentá-lo, honrados, fascinados por tocarem a seu lado. Enquanto isso, ele estava abaixado, pegando algo que caíra do estojo.
O sorriso do guitarrista morreu quando viu o cano negro. A bala cravou-se no crânio do bateirista, que morreu sorrindo. O Bluesman assassino virou-se para a platéia e disparou. Centenas de balas, vomitadas pela submetralhadora.
Engoliu o cano. E o chumbo. Amava a vida. Amava a música. Sua vida era a música. Seu último acorde foi o estalido abafado do gatilho.

O Casamento do Céu e do Inferno

"Sem Contrários não há progresso. Atração e Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são necessários à existência Humana.
Desses contrários saem o que os religiosos chamam Bem e Mal. O Bem é o passivo que obedece à Razão. O Mal é o ativo que vem da Energia. O Bem é o Céu. O Mal é o Inferno"

"Rintrah ruge e balança suas chamas no ar carregado
Nuvens famintas balançam-se nas profundezas

Outrora manso, e em uma perigosa trilha
O homem justo manteve sua rota
Pelo vale da morte.
Há rosas plantadas onde crescem espinhos.
E na mata estériol
Cantam as abelhas melíferas

Então, estava fundada a perigosa trilha:
E um rio e um regato
Em cada penhasco e tumba;
E nos ossos embranquecidos
A argila vermelha despontou.

Até que o vilão saia dos atalhos fáceis
Para andar nos atalhos perigosos e dirija
O homem justo a climas estéreis.

Agora a serpente sorrateira anda
Em suave humildade.
E o homem justo se enraivece nas terras remotas
Onde perambulam leões

Rintrah ruge e balança suas chamas no ar carregado
Nuvens famintas balançam-se nas profundezas"

Do obrigatório "The Marriage of Heaven and Hell" de William Blake.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Literatura

Carlos Drummond De Andrade

A mão suja

Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.

A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.

Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.

E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
– o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.

Inútil, reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!

Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura – transparente –
colar-se a meu braço.

Literatura

Estava eu em minhas leituras corriqueiras pela internet quando me deparo com essa CARTA
Muito interessante, aqui vai trecho da mesma:
"Estariam tentando ser corajosos, talvez, para que nunca mais precisem ter medo? Será que buscavam aquilo que Bob Dylan canta em It's Alright, Ma (I'm Only Bleeding): "Você se perde, reaparece, descobre de repente que não tem nada a temer"? Ousar se perder para possivelmente se reencontrar, e ter a coragem necessária para isso, pois não se pode ter a certeza de um dia ressurgir. Quando você finalmente se entrega. Aquele momento desprovido de peso! E você terá a ousadia de realmente ser aquele no qual se torna, aquele que você não pode conhecer de antemão? Como Rimbaud, quando levou a cabo uma ruptura total e parou de escrever a poesia que revolucionou a literatura francesa e européia e simplesmente desapareceu aos 25 anos de idade ao se mandar para o Iêmen e para o nordeste africano, ressurgindo como outra pessoa, aparentemente com outras qualidades e talentos, e dizendo: Je est un autre, o que na verdade contém um erro gramatical, pois é óbvio que é Je suis un autre, sou outro, mas ao dizê-lo com o verbo na terceira pessoa ele fez de si mesmo um objeto e se alienou. Então ele se esqueceu, e depois se perdeu; é o que arriscam interpretar meus amigos que sabem francês."

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Das relações paternas parte II

Ou: Da ingratidão filial.

Há um limite em que os pais devem interferir na vida dos filhos? Pergunta retórica com uma resposta idem. Claro que sim, os pais não têm a propriedade dos filhos. Têm a guarda durante sua imaturidade, a infame incapacidade jurídica. A partir daí, os filhos assumem o comando de suas vidas. Ao menos em tese.

Por certo, a moral pede que eles continuem auxiliando os filhos tanto financeira quanto educacionalmente. Os pais pagam a faculdade, bancam as despesas com moradia, e ensinam o que sabem na medida em que sua experiência é necessária. Mas não passa disto, um dever moral. Embora seja comum para os ingleses que os jovens saíam de casa, tão logo se formem, nos países latinos é comum que esse elo dure um pouco mais em razão da nossa moral, de nossos sentimentos mais familiares.

Em razão disto, muitas vezes, os filhos não estão aptos a viver de forma independente. E a culpa é dos pais. Ora, as aves jogam os filhotes para fora do ninho e eles aprendem a voar, aprendida a lição, eles se vão e boa sorte a todos. A tartaruga marinha bota centenas de ovos, dos quais poucos filhotes chegam à idade adulta. E, nem por isso, a tartaruga fica segurando-os na praia.

Por temerem não ter educado os filhos corretamente, os pais os seguram em suas rédeas psicológicas. São correntes efêmeras, sentimentais, que acalmam a consciência dando uma falsa segurança, um falso sentimento de proteção, ao mesmo tempo que estrangulam o pobre desgraçado.

Ao achar que está protegendo o filho, o pai o está prejudicando. O pai, por menos que veja a independência do filho, deve ao menos crer nela. Pois, o jovem deve se virar sozinho. Quer goste disso ou não.

Essa tal corrente se torna mais apertada conforme o tempo passa. Para os dois lados. Quanto mais tarde for o voo de despedida, mais dolorosa será a experiência.

Thadeu

PS: Não me entendam mal. É só um ponto de vista simplista. A realidade é muito mais complexa. Porém, não quer dizer que não possamos começar uma reflexão.
PPS: Este texto foi escrito antes do primeiro. Porém, senti que meus pensamentos estavam indo em rumos diversos demais e que não caberia tudo em um só texto. O motivo de eu ter publicado o outro primeiro foi por este ter sido escrito em um momento de raiva, enquanto sobre o outro eu tive tempo de refletir primeiro e de trocar idéia com o Mateus, o que serviu muito para alinhar minhas idéias.
PPPS: Por este texto ter sido escrito num momento de raiva, deixei-o "curtindo" algum tempo. Reli-o, entretanto, semanas após a discussão que o motivou e percebi que a raiva não distorceu meu pensamento. Por isso, ele segue tal qual foi escrito.

terça-feira, 12 de maio de 2009

1º tratado sobre a ondulatória.

Quantas palavras será que o mundo ouve em um dia?
Quantas vezes por minuto o ar é incomodado pelo vibrar de cordas, desnecessários e praticamente inconscientes do conteúdo da própria vibração?


Os discursos são autoritários. Cada um deles visa convencer, mostrar uma verdade nova ou antiga, mas sempre para ser aceita, nunca negada.
Isso não quer dizer que não haja uma diferença de dignidade entre os discursos. Nove décimos de tudo o que é dito seria melhor aplicado se engolido e assim, ficasse aos serviços do silêncio mundial.


Certos grunhidos que soltamos dia afora são importantes, é o caso do “bom-dia”. Nunca, em cultura nenhuma, no momento em que desejamos “bom-dia”, estamos desejando de fato que o dia daquela pessoa seja bom. Mas o “bom-dia” preenche o vácuo que existe no instante em que os olhos se cruzam, preenche a eventual raiva ou indiferença desse momento e por vezes é substituto até mesmo da paixão.


Tenho por certo que as combinações de palavras idiotas são mais melodiosas, nada mais justificaria o porquê elas são tão benquistas e populares. Nós as ouvimos o tempo todo, o mesmo conteúdo, ás vezes até com o mesmo arranjo, mudando quando muito o timbre ou o sotaque. Isso vai causando uma mecanização social, é como o tique-taque de um despertador que torcemos para que quebre durante a noite para que possamos dormir mais sem culpa, mas ele sempre desperta e nunca nos surpreende com a música tocada.


Por isso aceitar sem pressa e de bom-grado uma boa conversa, mais que um prazer é uma obrigação moral de qualquer ser-vivo humano ou não que mereça respeito ( supondo que os não-vivos não ouçam ou falem)


Por isso também jamais devemos negar nossos ouvidos à real sinceridade de ninguém, pois por mais que não a entendamos, por mais inocente que ela possa parecer será sempre provida de sabor e de verdade.


E mais importante, nunca neguemos uma conversa a um amigo, é para isso que elas existem e são nesses momentos que são mais coloridas e sinestésicas. O momento em que sopramos as narinas do silêncio com a imaginação e a sinceridade, e damos vida a algo que estava em nós, mas não era por nós conhecido. Sim as boas conversas, elas nunca devem ser impedidas de correr. . .


Mateus.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Como nossos pais?

"Os velhos acreditam em tudo, os adultos suspeitam de tudo e os jovens sabem de tudo".
-Oscar Wilde

Ironicamente, constatou o áureo inglês a prepotência da juventude. Porém, ele revela, talvez inconscientemente, um grande preconceito. Se os adultos acham que é arrogância jovial imaginar que sabem tudo, pensar que eles não sabem nada, e assim os tratar, é algo absurdo.

Pais não criam filhos, pais criam outros pais. A educação paterna não é baseada no que é realmente bom ou ruim para um filho, mas no que se acha que teria sido bom ou ruim para si mesmo. A educação que receberam servirá para criar um parâmetro do que é bom ou ruim na figura paterna. “Estou te obrigando a fazer isso porque meu pai me obrigava a fazer assim”, e, assim, são deixados de lado os próprios sentimentos em relação a tal arbitrariedade.

Sendo ainda mais claro. Um pai não ensina um filho a ser uma criança. Ensinar é uma conseqüência de tentar superar a figura paterna. Ser um pai melhor é a questão e não o que é realmente bom para o filho.
Deveria haver respeito entre pai e filho. E respeito é algo recíproco, nunca unilateral. Respeito não nasce das surras, nasce do tratamento. Não é a surra que deixa marca, é o exemplo da tola, e desnecessária, demonstração de força. Se chega ao ponto de um pai bater em um filho, a criança deve ter extrapolado em suas atitudes.

Porém, o que devemos analisar é o motivo da criança ter agido daquela forma. Há um defeito na educação daquela criança. Quem deveria apanhar é o educador, afinal o erro foi dele. " Os velhos acreditam em tudo, os adultos suspeitam de tudo e os jovens sabem de tudo". Disse Oscar Wilde. Ironicamente, zombou da prepotência da juventude. Porém, não esconde outro preconceito. Se os adultos acham que é arrogância jovial imaginar que se sabe tudo, pensar que eles não sabem nada, e assim os tratar, é outro absurdo.

Não se trata de ser permissivo. Vivemos em uma maldita sociedade permissiva. Dane-se a permissividade. Trata-se de saber ensinar. A criança deve ter respeito, conhecer os limites de sua atitude. Imaginemos um homem que nasceu e viveu toda sua vida adulta em um lugar congelado. Nunca teve contato com fogo. É difícil imaginar, mas possível. Bom, ele teve uma educação privilegiada, diga-se de passagem, leu os melhores filósofos, estudou as mais modernas teorias. Hoje, um grande mestre, está a lhe ensinar sobre o fogo. Passa duas horas explicando sobre o calor, a energia, a agitação dos átomos. Mas, se o maldito não puser o dedo na fogueira, ele não entenderá realmente o que é calor.

Certas atitudes dos filhos não devem ser reprimidas. Eles devem correr os riscos, devem viver suas escolhas, pagar o preço por elas. Isto não pode ser impedido. A repressão é tão, ou mais, prejudicial que a permissividade.

Thadeu

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Literatura

Começo, por este post, uma nova seção no blog, vamos procurar trazer partes de livros que no agradam, é isso ai, ABRAÇOS!

O livro trata da mudança de uma fámilia atras de emprego depois de perderem suas terras para os bancos, por nao conseguirem paga-lo. Então a familia dos, Joad, vai atras de emprego na California, com a promeça de reencontrar a bonança de antes. O livro passa nos EUA e na época da grande depressão, vale a pena ser lido, Abrass!


"Inquietavam-se as terras do oest sob efeitos da metarmofose incipiente. Os Estados ocidentais estavam inquietos como cavalos antes do temporal. Os grandes proprietários inquietavam-se, pressentindo a metarmofose e sem atinar com sua natureza. Os grandes proprietários atacavam o que lhes ficava próximo: o governo de poder crescente, a unidade trabalhista cada vez mais firme; atacavam os novos impostos e os novos planos, ignorando que tudo isto era efeito, e nao causa. Efeito, nao causa; efeito, não causa. A causa escondia-se bem ao fundoe era simples - a causa era a fome, barriga vazia, multiplicada em milhões; fome na alma, fome de um pouco de prazer e um pouco de tranquilidade multiplicada em milhoes; músculos e cérebros, que querem crescer, trabalhar, criar, multiplicandos em milhões. A ultima função clara e definitiva do homem - músculos que quere trabalhar, cérebros que quer dominar o simples desejo - isto é o homem. Construir um muro, construir uma casa, um dique, e botar nesse muro, nessa casa, nesse dique algo do homem, e retirar para o homem algo dêsse dique; obter músculos duros à força de movê-los, obter linhas e formas elegantes pela concepção. Porque o homem, mais que qualquer coisa orgânica ou inorgânica do unioverso, cresce a força de seu trabalho, galga os degraus de suas próprias idéias, emerge à força de suas próprias habilitações. É isto o que se pode dizer a respeito do homem; quando teorias mudam e caem por terra, quando escolas filosóficas, quando caminhos estreitos e obscuros das concepções nacionais, religiosas, econômicas alargam-se e se desintegram, o homem se arrasta para diante, sempre para a frente, muitas vezês sob o efeito de dores, muitas vezês inutilmente. Tendo dado um passo à frente, pode voltar atrás, mas não mais que meio passo, nunca o passo todo que já deu. Isto se pode dizer do homem, dizer-se e saber-se. Isto se pode saber quando bombas caírem dos aviões negros sobre a paraça do mercado, quando prisioneiros são tratados como porcos imundos, quando corpos crivados de balas rolarem na poeira. Aí, então, pode-se saber isto. Não tivesse sido dado esse passo, não estivesse vivo no cérebro o desejo de avançar sempre, essas bombas jamais cairiam e nenhum pescoço seria jamais cortado. Tenha-se medo de quando as bombas não mais caem, enquanto os bombardeiros estão vivos, pois que cada bomba é uma demonstração de que o espírito não morreu ainda. E tenha-se medo de quando as greves cessam, enquanto os grandes propritários estão vivos, pois que cada greve vencida é uma prova de que um passo está sendo dado. E isto se pode saber - tenha-se medo da hora em que o homem não mais queira sofrer e morrer por um ideal, pois que está é a qualidade-base da Humanidade, é a que o distingue entre tudo no universo."


John Steinbeck, As Vinhas da Ira

sábado, 25 de abril de 2009

"Don't mind the men behind the curtains" (ou Master of Puppets)

Declaro aqui meu apoio ao Ministro Joaquim Barbosa. Imagino como é difícil ter de encarar uma pessoa como esta todos os dias sem poder dizer-lhe nada a respeito.
É notável como as pessoas convergem sua inteligência, manipulando o Sistema a favor de seus próprios interesses. Admirável, não fossem as intenções.



Vejam como, aos 2:16s do vídeo, o Sr. Presidente dá AQUELA engasgada.

Ah, a fisgada no saco no estômago! Algo que toda mãe aprende, desde cedo, a interpretar como prova da culpa do filho.

-Thadeu

terça-feira, 7 de abril de 2009

Tabu

Nossa sociedade possui dois grandes preconceitos:
Uma mulher não pode ter prazer e um homem não pode ter sentimentos.
Explico.
Estava conversando com uma amiga e com um amigo dela. Após um tempo ela nos revela que namora há uns cinco anos e ainda é virgem. Está esperando o casamento.
-Eu acho que você deveria experimentar. Vai que o cara é ruim de cama- Eu disse.
O amigo concordou.
-Ah, que isso, gente- Ela respondeu- O que importa é o amor.
-Eu concordo. Mas imagina você na lua de mel, morrendo de expectativa e o cara é um fiasco. Se você já souber disso antes, pode ir treinando ele até lá.
O amigo dela riu.
-É verdade. E, depois, vai que você fica com vontade de experimentar outros. Se estiver casada, vai ser um problema. No namoro, ainda tem jeito.
Claro que ele falava isso do ponto de vista dela. Sendo a virgindade tão importante, imagina o casamento.
-Ah e como que eu vou saber se ele é bom de cama ou não? Se eu não tenho experiência para julgar?
Eu e o outro cara trocamos olhares. Minha sobrancelha arqueada.
Ele tomou a frente.
-Uai...você não ensaia em casa?
Eu ri. Ela não. Ela ficou vermelha.
-Vamo mudar de assunto?
-Ah...sei lá... Eu até concordo com você em parte. Mas amor é sentimento. E sentimentos podem morrer- Eu disse- Imagina você ao lado de um cara que você não ama mais e que, além de tudo, é ruim de cama.
-Mas, gente, vocês não tão entendendo. Eu disse Amor de verdade. Amor pro resto da vida.
-Tá...eu também acho que você tem que fazer com Amor. Mas não precisa esperar até o casamento.
-Ah...Mas é que a gente já segura faz tanto tempo que não custa esperar mais um pouco.
-Aí, sim. Eu até admiro você. Eu só estive com minha namorada e porque a amo.
Foi a vez dos dois cruzarem olhares. Ele, novamente, tomou a frente.
-Sério?
-Sério.
-Bichona.


Thadeu

segunda-feira, 30 de março de 2009

"Ironia Ensimesmada"

Ora, queria eu também ser assim, a expressão de toda uma lógica sem lógica. E me machuca que a razão da minha inquietude seja também a razão da sua.

Fui um menino que podia ser tudo e tornei-me um adulto que, pior do que não ser nada, não quer ser nada. Fui a mais bela semente, que quando plantada tornou-se um tronco liso com os ramos para dentro e esporádicos frutos insípidos.

Não que eu não tenha experimentado o embrião dos prazeres da “vitória” social, não que eu não seja belo o bastante ou não tenha as habilidades necessárias. Acredite, é estranho para mim também que tudo isso tão raramente me apeteça e, de alguma forma me incomoda que tantas latências tenham se tornado na melhor das hipóteses um ideal.

E chamarei de justo o argumento que dirá que a pacatez e previsibilidade da minha vida contrastam incrivelmente com minhas aspirações e até com minhas escolhas amorosas.
Talvez meu erro tenha sido imaginar a vida antes de vivê-la e, quando finalmente comecei a vivê-la a imaginação provou-se mais viva e passei a considerar a vida pálida e previsível.

Mas pense, pense comigo, o sentido de ser assim. Buscar a aquisição do objeto, o acúmulo de bugigangas para que uma sociedade cinzenta me aplauda e algumas garotas de irritante insipidez e notável beleza sintam-se gratas em mostrar-me seios rijos conseguidos arduamente através do ócio, boa alimentação e uma mente isenta de qualquer problema realmente relevante.

Buscar o poder; o poder de gritar com os mais fracos, o poder de montado em um grande pedaço de lata da cor da moda me sentir melhor que os outros, como se por alguma razão eu fosse um ser humano mais digno, o poder de ter ao meu dispor inúmeras coisas que ninguém precisa, poucos têm e todos querem.

Encontrar-me repentinamente enamorado, perdido nesse amor mercantil nos braços da mais linda jovem que eu conhecer – obviamente linda, pois não é de bom tom apaixonar-se pelo que não é quase que por unanimidade belo ou, que ao menos, possua qualidades dignas de serem postas a público ainda que no momento estejam ocultas – um amor de mercado que leva em conta o valor social do objeto desejado em relação ao meu próprio valor cambial.

Vencer na vida (que maravilhosa expressão) dedicar cada um de meus suspiros desenvolvendo uma fortuna, úlcera e um coração insensível (como se já não bastasse o que já tenho). Muito inteligente.

Mas aqui estou eu, novamente, inflamando-me em dizer as mais juvenis críticas sociais, do modo mais direto e ineficaz que poderia fazer. Como se ainda não soubesse que não basta por a realidade à mesa, tem-se de torná-la suculenta, temperando-a com a prolixidade para apetecer o ouvinte desatento e dado antes à beleza que ao conteúdo do prato.

E na verdade nem sei porque insisto em tais críticas, já há muito que elas me soam enfadonhas, achei-as intrigantes a primeira vez que as ouvi, mas a repetição tirou toda a graça e beleza delas ainda que não tenha tirado a pertinência.

Á que saudade dos tempos em que se podia resolver quase tudo com um pouco de violência e, o que não dava, remediava-se com a idéia de suicídio. Mas as coisas não são mais assim e pacientemente aguardamos o Bom do homem, como se ele fosse natural ou como se algum dia já tivesse existido.


Mateus.

domingo, 29 de março de 2009

Qual nosso futuro?

Bom, não sou um pregador anti-publicitário, ao contrario, muitas vezes me pego dando risadas e divertindo-me com elas. Entretanto, penso eu, que deveria existir limites em sua exposição e a maneira como ela é feita; ao invés, de doutrinar crianças inocentes, que sem capacidade de discernimento acreditam no que é pregado pelas propagandas, deveriam tentar fomentar a conscientização da população. Não tenho uma opinião muito bem definida sobre a publicidade, não acho ela demoníaca, mais acho q é necessário mudar a maneira como ela é feita. Bom assistam esse documentário, que vale a pena e pode dar pra vocês leitores uma melhor opinião que a minha.
Criança, A Alma do Negócio - Estela Renner - 2008


Qual Nosso Futuro?

terça-feira, 24 de março de 2009

Inexoráveis questões sobre o tempo.

-Oi, tio.

Até então, minha cabeça viajava. Na travessia entre o estágio e meu covil, pensava sobre a vida; o meu dia seguinte, abarrotado de compromissos ; no que faria ainda hoje. Tanta coisa! E pensava, sobretudo nos meus fones de ouvido. Um par quebrado, e eu estive perto de comprar outro dois dias antes. Nem sei quando poderei comprá-los, quando terei a chance. Mas, a voz me tirou do emaranhado de pensamentos em que me envolvia como um safanão.

Olhei para os lados, esperando ver a fonte. Era um carro preto, Vectra, não sei o ano, meu irmão saberia precisar este detalhe e numerosos outros. Eu não. Sou um troglodita em termos de veículos, sei acelerar, frear e trocar as marchas, e mais algumas manobras simples, por muito esforço. Era um carro e era preto, bastava. Cheio de adolescentes. Cheio no sentido de MUITO cheio, havia pelo menos umas quatro sentadas atrás com mais duas no colo. Uma das quais, a garota que me interpelara.

Sou paranóico demais para reagir passivamente ou com bom humor a uma brincadeira dessas. Bem, por mais que eu tenha vinte anos, comecei a pensar se eu não estaria velho demais, se eu não estaria abusando das comidas oleosas, se a falta de exercícios estava me tornando um velho precoce. Tenho me perguntado se não desperdiço meu tempo e o vocativo da garota apenas me tornou mais angustiado.

O que é o tempo afinal? Uma questão de percepção, o modo como vemos e medimos os acontecimentos à nossa volta, como gosto de pensar? Um fenômeno que faz as coisas acontecerem? Algo como a Alavanca Inicial de Aristóteles? Seria o tempo o responsável pelos fatos e não apenas uma medida para estes? Ou então um rio que desce para o mar eternamente congelado, como propos Einstein?

“Morte não era mal” lembro-me da frase de Terry Pratchet sobre um dos meus personagens favoritos, o Morte. Ele não era mal, mas... e o Tempo? Este, com certeza, é. Ao invés da foice, ele segura um chicote e nos açoita, mais depressa nos aproximamos do abismo de nosso fim e todas suas inevitáveis perguntas.

Olhei para ela, a resposta assentando-se em minha língua. A obsessão esvaindo-se de todo meu ser.

-Eu tenho comido sua tia, pivete?


Thadeu

terça-feira, 17 de março de 2009

Inércia!



É impressionante como somos pacíveis ao que acontece ao nosso redor. Tudo em nossa volta tornou-se normal: preconceito, desigualdade, pobreza, violência etc, parece que ao invés de serem anomalias em nossa sociedade, são sim, plano de fundo de uma paisagem brasileira.
Entretanto, nao é sobre os problemas sociais que venho falar neste post, afinal acho que eles são por demais discutidos e seu efeito é muito limitado. Venho neste post tentar resgatar a fibra de um povo, que precisa ACORDAR e LUTAR por MUDANÇAS! É necessário sairmos dessa inércia e alienação para buscarmos, quem sabe, um lugar ao sol, uma sociedade melhor esclarecida. Assim, pararíamos de aceitar informações "imbecializadoras", que são bombardeadas em nossas mentes convertendo-se em verdade, ou mesmo, não aceitar "esmolas", nao tapar o sol com a peneira, e sim, buscar medidas eficazes para nossos maiores problemas.


Para isso, deviamos buscar educação para nosso povo e concerteza escutar opiniões de todas as classe para uma melhoria na qualidade do povo em geral, outro dia lia o depoimento do Marcos Williams Herbas Camacho, vulgo Marcola, em vários momentos ele defende a educação e a ressocialização dos presos, coisa extremamente necessária, para que presos não voltem novamente à cadeia. Não concordo, com muitas atitudes do Marcola, entretanto ele demonstra muita sobriedade ao analisar a situação da população pobre e descriminada, deveria ao menos ser mais ouvido e menos estigmatizado. Não adianta, buscarmos soluções belas e ineficientes como acontece em Fóruns, quando juntam-se vários intelectuais que nunca saíram de seus gabinetes, e pouco conhecem da vida, e divagam sobre como concertar o mundo, tomando café, whiskey e comendo tortinhas. Não sou um menino revoltado e tenho provas quanto a esculhambação de nossos provedores da paz, veja 2 fotos retiradas de uma reunião na ONU, por um artista chinês, em uma exposição que vi no MASP.
antes depois
Em síntese, acho que é merecedor de ser escutado aqueles que produziram alguma coisa na vida e sabem do que estão falando, não aqueles que sabem citar belas palavras e recitar frases de autores consagrados, espero que um dia as pessoas que sejam valorizadas sejam aquelas que se deram a vida, que se entregaram e que lutaram por ideais de mudança. FUI!!!

segunda-feira, 16 de março de 2009

A entrevista

Fazia-me perguntas cretinas sucessivamente, aparentemente, o medo de parecer idiota não o afetava. As pupilas estreitavam-se, seus modos, seus suspiros de fastio e até sua forma exalavam a falta de medo que só uma relação desigual faz nascer. O poder; ria-me – diga-se de passagem, que só ria, graças a sádica habilidade de rir da própria desgraça – de ver as formas como ele se manifestava, não mais que cinqüenta centímetros nos separavam, seria fácil agredi-lo, poucos segundos seriam o bastante para que eu fizesse cessar o descompassado som daquele respirar dispnéico e obeso, no entanto não podia.

O poder não se manifesta mais assim e o meu, junto com meus conhecimentos e habilidades não estavam ali para se impor e sim para se vender.
Soltou mais uma de suas perguntas e essa de uma simplicidade lógica que até me surpreendeu, perguntou-me:
- Você é honesto ou costuma mascarar as coisas?
ora essa, se eu respondesse que mascaro as coisas estaria sendo honesto, se sou honesto não teria porque dizer que mascaro as coisas, logo, responderia a verdade que seria dizer que sou honesto; poderia ser também que eu fosse do tipo que mascara (nada impede não é?) e então mascarando as coisas eu responderia que sou honesto. Não havia outra resposta possível para essa pergunta que não fosse dizer-me honesto e, a verdadeira honestidade da resposta ele nunca saberia. . .

E assim ia deixando-me conduzir de pensamento em pensamento, da ilogicidade das questões até a percepção de que todos os talentos que adquiri com tão altos ideais estavam agora a serviço do mercado, vendidas a um preço que envergonharia o mais boçal dos negociantes.

Não sei se meus olhos me traíram enquanto eu vagava por tais pensamentos, não sei se os desviei ou os deixei parecerem opacos, mas a boca (o maior orgulho de minha hipocrisia) não me decepcionou nem por um instante e, enquanto minha mente errava na prolixidade da indignação, ela fazia soar em alto e bom som o oposto dos meus pensamentos.

Voltando a mim cheguei a rir – com os olhos (traidores) apesar da boca (fiel) manter-se mentindo – percebendo quão bem treinada foi minha língua pelos chicotes da necessidade.

Mateus.

quinta-feira, 12 de março de 2009

" A idéia"

Somos jovens que talvez por gosto, curiosidade ou mero espírito temerário buscamos algo e isso de modo algum pressupõe que saibamos exatamente o que procuramos; mas que seja algo que instigue o espírito, o intelecto, talvez o humor ou até mesmo as reações mais passionais e impensadas.

Não procuramos nos promover, não procuramos cristalizar verdades. Somos apenas o prisma de toda informação que nos bombardeia e, refletimos antes as cores que trazemos dentro de nós que as tintas com que foi pintado o mundo.

Além disso, prometemos, possível leitor, nos esforçar para levar até você o melhor conteúdo possível. Sem catracas, sem perguntas indecorosas ou consulta à proteção ao crédito, cegos como a estátua da justiça que não faz diferenciação a quem vem até ela, estamos abertos e de ouvidos atentos, ansiosos pelo menor sussurro.


Augusto.