quarta-feira, 29 de julho de 2009

Em homenagem.

"Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim.
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás."

John Donne

sábado, 25 de julho de 2009

Homem Mana

Na ociosidade do sétimo dia, a verdade velada por Deus já não se sustentará. É curioso, que na estruturação de um valor havia uma paródia sem grandes emoções de humor. O ideal seguido pelo Homem, nada mais é que um aparato engenhoso, discursivo e sem sofisticação.


Notavelmente somos cercados por criações valorativas revestidas de idealização. Falo isto, pois, no afastamento da condição de Homem, ofuscaram a tragédia do ser, visto que a vida e o pensamento foram substituídos pela racionalidade das idéias. A práxis humana é cada vez mais rara na vida cotidiana, tudo passa estar impregnado de convenções e modelos pré-estabelecidos. Foi-se acatado tudo e a tudo não se acatou, questiona-se nada mais além do que o confortável.


Todo discurso é passível de desconstrução, e, a legitimidade dele funda o poder estabelecido sob uma lógica de valor “justo” e ideal. Em meio a esta excitação percebemos que a lógica do discurso é excludente, ou seja, sempre haverá das negativas e das positivas perspectivas. Tal fato nos coíbe de assumir a dialética da vida e buscar uma terceira margem. Saltando em parafuso a concepção idealista nada mais é que uma sublimação exagerada do discurso não superado.


O conflito das relações humanas está na troca mal sucedida e a dosagem dele determinada a situação limite de superação entre o real e o ideal. Estar emanado do agora é poder caminhar pelas próprias vias, recriar e reconstruir de forma assaz as várias possibilidade de discurso. Pois, o que convêm para o Homem existente?

sábado, 18 de julho de 2009

How Blue Can You Get?

-Matar é errado, bro.
-Morrer é errado e no entanto...- sua voz morreu.
-No entanto as pessoas morrem.
-Outras voltam para nos atormentar. Diga, eu estou tão ruim assim? Já estou tendo alucinações!- Sua voz era quase divertida.
-Claro que não. Eu morri entregando minha vida ao Senhor. Meu último suspiro foi em nome dEle. Eu me tornei um anjo no pós vida, bro.

A gargalhada explodiu em sua boca, seus olhos se enchendo de lágrimas. Teve de colocar a garrafa no chão. Não sabia se era pior ver o fantasma de um amigo há muito
morto ou ter de ouvir as besteiras que ele lhe dizia.

-Você, um anjo, está aqui na Terra, conversando justamente comigo! Você tá no inferno. Sartre, lembra?
O fantasma riu.
-Além disso- ele continuou- quem falava “bro” era o Pingado. Você é uma alucinação das mais terríveis.

Era engraçado, ao final das contas. Rever um grande amigo, em quem há muito não pensava. Ele ainda era do jeito que se lembrava. Cabelos grandes, que terminavam, abaixo do ombro, em grandes caracóis dourados. Usava um bigode e seu queixo também era coberto por pêlos. Parecia um mosqueteiro. E um hippie. Sua túnica branca era a mesma que ele usara nos idos anos 1970, inspirado em Robert Plant. Mas usava auréola agora.

-Nada. Se eu sou feito das suas lembranças, elas é que são uma bosta. Uma bagunça. Você não se lembra de quase nada do que viveu. Se visse um filme da sua vida, acharia que colocou o vídeo errado para rodar. Você era um caos e não fez muita coisa para melhorar.

As palavras continham uma seriedade, que o assustou. Não que fosse intencional. Paulo não faria isso com um amigo. Não com o karma andando por aí em sua Harley, com seu caderninho, anotando os erros e acertos das pessoas. Mas, Paulo estava morto e precisava parar de levar essa conversa a sério.

-Sabe- disse o fantasma- você deveria levar essa conversa a sério.
-E você deveria parar de ler meus pensamentos.
-Eu não estou lendo. Nós estamos misturados. Lembra?
-Vá direto ao ponto. Por que você veio?- Ele se levantou. Caminhou até sua estante, atravessando um lençol embolado no chão e uma caixa de fotos, caída. Colocou a garrafa de whiskey em cima da prateleira, ao lado de uma fotografia sua, vestido de terno e gravata pretos e uma garota, os cabelos de um castanho claro que o fazia pensar em dias melhores. Pegou um maço de cigarros uma prateleira acima.
- Por que você precisa de mim, bro. To preocupado com você. Essa merda toda em que você se enfiou. Essa fossa. Isso tudo vai piorar agora.
-É...a Yoko morreu.
-Sério? Caralho, essa eu precisava ver. Ela destruiu os Beatles.
-Não essa...-ele disse, rindo- a nossa Yoko. Lembra? Era assim que você a chamava.
-É...eu lembro. Tava só tentando te animar. Ela mexeu mesmo com você, não foi?

“Mexeu” era dizer pouco. Ela era o amor de sua vida. A razão de sua existência. Mesmo quando ela ferrou com tudo, sua vida passou a ser esquecê-la, apagá-la da memória, profanar as lembranças boas.

-Me diga uma coisa, Deus toca teclado?
-Bro, e como toca!- disse o fantasma empolgado- Mas, não é um teclado. É um piano de cem mil teclas feitas de mármore branco e preto. O som se transforma em cores e toda a realidade estremece. O próprio tempo fica distorcido.
-E por isso que você só chegou até mim hoje? Ficou ouvindo o concerto celestial e me deixou levando na bunda esse tempo todo?
-Bro, me perdoe. Desculpa por não ter aparecido antes. Mas, acredite, só agora as coisas ficaram pretas. Já decidiu o que fazer?
-Claro. Eu sou o compositor, lembra?
-Pois, preste atenção. Você tem escolha. Não deixe esse véu de fumaça se fechar. O mundo não é preto e branco, como você pensa.
-Não. Ele é multi colorido, como você enxergava. Seu cérebro cheio de ácido. E, ainda assim, olha onde você foi parar. Uma alucinação das mais toscas.
-Se eu sou uma alucinação, como eu sei que o telefone vai tocar?
O telefone tocou, despertando-o.
-Marcos?- disse, por trás de um milhão de quilômetros transformados em ruídos na linha, a voz chorosa marcada pelo sotaque.
-Quem? Anne?
-Carol... is dead.

Yoko estava morta. Afinal de contas. O telefone ficou pendurado em sua mão. Ouvia o choro engasgado do outro lado da linha e nada mais. Sua cabeça parecia a “Vinte e Cinco” em véspera de natal.

O sonho acabara. Literalmente.

Mais tarde, no avião, concluiu que despertara ao segundo toque do telefone. O primeiro havia sido transformado, pelo seu Inconsciente, na previsão de seu amigo.

O sonho, com o anjo e tudo mais, havia sido coincidência. Meramente.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

terça-feira, 14 de julho de 2009

Brincadeira.

Brincavam todos os dias, a tardinha, depois da aula. Às vezes discordavam na brincadeira, ele gostava mais de pega-pega, ela de pique - esconde, ele era mais rápido, ela mais esperta.

De quando em quando, correndo, se embolavam e caiam, ela mais lenta, demorava a se levantar, o que o obrigava, por estar também impossibilitado de se levantar, à ficar com aqueles cabelos longos e escuros, que um tinham um cheiro doce que ele gostava menos do que mais, a lhe atrapalhar a respiração. Ela estava sempre a jogá-los e quando os jogava sorria, ele não entendia, achava que aqueles cabelos a incomodavam e tinha por certo que se ela pudesse teria cabelos tão ou mais curtos que o dele.

Algumas vezes à tarde o garoto da rua de trás passava calmo, no caminho da bola ou em frente o pique, sempre interrompendo por instantes a brincadeira, tanto pela inconveniência física como pela presença que tanto incomoda a cumplicidade daqueles que até então não estavam sendo observados.

Ela sempre dizia a ele que odiava aquele, ele era indiferente.

Ela tinha muitas bonecas com as quais algumas vezes brincava se dizia mamãe de todas elas. Reclamava às vezes com ele que elas precisavam também de um papai, ele por mais que pensasse não lembrava de ninguém para ser pai das bonecas e dizia que o pai dela podia ser o avô e, com muita lógica e propriedade, deduzia que já estava bom para bonecas que não sabiam e improvavelmente aprenderiam a diferença entre um pai e um avô.

Ele preferia futebol, mas não gostava de jogar com ela. Ela não gostava dos resmungos, das cuspidas no chão e das ameaças de surra, sendo que tudo isso é tão parte do futebol como a bola.

Às vezes ela sugeria que se escondessem no armário nos fundos da casa dele, ele não gostava, achava o armário muito apertado e, além disso, tinha sempre o cheiro daqueles cabelos que rapidamente inundavam o ambiente.

Certa feita, brincando a tarde como sempre, ela jogou os cabelos como sempre, o garoto da rua de trás passou, olhou e sorriu, ela desviando os olhos de uma forma que ainda se visse seu rosto, também sorriu. Nesse instante ele pela primeira vez lançou um olhar malicioso sobre um acontecimento.

Tardio.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Home of the Blues

-Filha, você é bonita demais para esse negócio.
-Não me chame assim. Corta o tesão.
-É assim que eu falo. Sou velho. Os velhos tratam as crianças como filhos- disse, acendendo outro cigarro.

Ela sorriu. Um sorriso doce, belo. Seus lábios, grandes e cheios, eram de um marrom claro muito mais cativante que o vermelho artificial do batom que normalmente usava. Os olhos, castanhos e profundos, acompanharam o sorriso, mas fugiram, buscando sua testa. Os cabelos grisalhos que lhe brotavam nas têmporas. Ela pegou o cigarro e tragou.

-É carinhoso.
-Claro- o som de sua risada mexia com o coração dele, fazia-o sentir vontade de tocar algo em seu violão- mas, você não é velho. Tem o que, vinte e oito?
-Tenho trinta, senhorita. E é bom ter um pouco de respeito comigo, jovenzinha.

Ele não sorria. Nunca. Mas, seu tom era amável e menos dolorido que o costumeiro. Ela o fazia sentir-se perigosamente feliz, o que não era recomendável em sua profissão. O calor do corpo dela o excitou, sentiu seu peso sobre sua barriga e pernas quando ela girou por sobre o corpo dele. Ele passou os braços pelas costas dela e beijou-lhe os lábios.

Meia hora depois, ele se vestia ao pé da cama. Ela, já vestida, olhava para sua estante. Não era a quantidade de livros que a impressionava. Ela não era versada nestes assuntos. Não entendia de literatura ou de política, muito menos de teoria musical. E eram os principais assuntos. Tampouco entendia o que diziam as lombadas, quase todas em línguas estrangeiras.

Não, seus olhos não encontraram o que se interessar entre os tomos empoeirados, mas foram atraídos por uma estatueta. Era uma mulher esculpida em pedra sabão. Os braços pareciam apoiar a cabeça, formando um triângulo, os seios fartos, bem definidos. Muito detalhada. Era incrível.

-Garota, eu toco blues. Não me faça passar fome- Ele estava sorrindo, seu coração passava pelo que ele chamaria de amor adolescente- Mais fome.

Ele estava apaixonado, não tinha dúvidas. E ela, coincidentemente, admirava uma representação de Afrodite.

-É linda. Quem é?
-Afrodite. Deusa grega do amor. A prostituta do Olimpo. Divindade perigosa, de muitos amantes. Tome cuidado, dizem que ela é ciumenta.

Enquanto falava, ele a abraçou pelas costas, sentindo novamente seu calor no peito nu. O vestido dela era simples, de um preto desbotando. O contraste com sua pele muito branca lhe dava um tom fantasmagoricamente sensual.

-E é um falo- vendo a incompreensão no rosto da garota, traduziu- um pinto. Olhe a sombra.

A garota atentou para a sombra da estatueta que se projetava na estante e viu. Seu olhar estava maravilhado.

-É um símbolo- ele continuou- não sei direito o que significa, mas deve ser algo sobre unir o masculino e o feminino em nossas vidas. Sabe, uma metáfora da psicologia do Homem. De como nós nos completamos e de como há sempre dois lados, um positivo e um negativo em todas as coisas.

-Ah...-e, neste ah, continha-se o desinteresse que ela sentia pelas palavras- onde você comprou?
-Ganhei. De um amigo em Nova York. Há uns- tentou lembrar- alguns anos, eu tinha vinte e cinco. Ou quase, não me lembro ao certo. Disse que era grega mesmo. Fique com ela.

A garota segurava a estatueta, enquanto ele pegava uma camiseta preta do chão e a vestia. Outro cigarro pendia de sua boca, ainda apagado. Por pouco tempo. Seu quarto era uma bagunça. Os lençóis estavam jogados ao lado da cama. E havia livros, sem contar os da estante, espalhados por todo o lado. Um Bakunin caído no rumo de seu travesseiro chamou-lhe a atenção. Ele pegou o livro e viu as páginas amassadas.

Aquilo machucou. Sua relápsia o irritava. Havia ainda um violão em algum lugar. Levantou umas roupas e achou-o submerso naquele mar de desordem. Colocou o livro sobre uma cômoda, em que havia um espelho onde se olhou.

-É sua.
-Não!
-Estou te dando. Uma deusa não pode se sentir bem num lugar como esse.
-Como assim? Olha, eu...não sei o que dizer, mas não posso aceitar. Não sei o que vai ser, mas não a quero. Ela é tão bonita e nunca se encaixaria comigo. Preciso ir.
-Você também é bonita. E não é pouco.

Ela o beijou, apressada. Ele tentou segurá-la mais um pouco, estender o momento. Mas não conseguiu. Ela lhe escapou. Deixou-o com o falo na mão, literalmente, e saiu. Ele a ouviu andando pelo corredor. E depois, ouviu o elevador chegando.

Ele acendeu o cigarro, enquanto admirava a estatueta. Nunca havia parado para pensar a respeito dela. Antes de mais nada, ela lhe era apenas o sentimento de alguém de quem gostara há muito tempo. Uma mulher a quem amara e que nunca mais veria. Às vezes, os símbolos têm o significado menos profundo. Nada de ambigüidade, mas simplesmente a lembrança. Debruçou-se na janela da sala, sua mente viajando a quilômetros dali, em um tempo passado que ainda lhe assombrava.

A garota saiu do elevador e dirigiu-se para a porta do hall do prédio, que se abriu com um estalo. Ela desceu as escadas, seus cabelos loiros erguidos pelo vento. Estava frio ali fora e ela desejou ter ficado no apartamento enfumaçado.
Seus pés tocaram a calçada no instante em que a estatueta se estilhaçava a seu lado.

Thadeu

sábado, 4 de julho de 2009

Diálogos que constroem meu caráter

(...)
-Mas e aí, filho, comeu o abacaxi que seu pai descascou?
-Não.
-Como não?
-...
-Você não tem consideração alguma com a sua família. Seu pai não precisava ter feito isso e você retribui dessa forma? Seu preguiçoso, pq ele teve que abrir o abacaxi para você, pq não tem coragem de pegar uma faca e descascar! Tava uma delícia aquele abacaxi e você agradece assim. Porque é um absurdo! Um disperdício.Olha, filho, eu não sei o que eu faço com você, cada dia você me decepciona mais. Que que você fez com o abacaxi?
-Suco.