terça-feira, 14 de julho de 2009

Brincadeira.

Brincavam todos os dias, a tardinha, depois da aula. Às vezes discordavam na brincadeira, ele gostava mais de pega-pega, ela de pique - esconde, ele era mais rápido, ela mais esperta.

De quando em quando, correndo, se embolavam e caiam, ela mais lenta, demorava a se levantar, o que o obrigava, por estar também impossibilitado de se levantar, à ficar com aqueles cabelos longos e escuros, que um tinham um cheiro doce que ele gostava menos do que mais, a lhe atrapalhar a respiração. Ela estava sempre a jogá-los e quando os jogava sorria, ele não entendia, achava que aqueles cabelos a incomodavam e tinha por certo que se ela pudesse teria cabelos tão ou mais curtos que o dele.

Algumas vezes à tarde o garoto da rua de trás passava calmo, no caminho da bola ou em frente o pique, sempre interrompendo por instantes a brincadeira, tanto pela inconveniência física como pela presença que tanto incomoda a cumplicidade daqueles que até então não estavam sendo observados.

Ela sempre dizia a ele que odiava aquele, ele era indiferente.

Ela tinha muitas bonecas com as quais algumas vezes brincava se dizia mamãe de todas elas. Reclamava às vezes com ele que elas precisavam também de um papai, ele por mais que pensasse não lembrava de ninguém para ser pai das bonecas e dizia que o pai dela podia ser o avô e, com muita lógica e propriedade, deduzia que já estava bom para bonecas que não sabiam e improvavelmente aprenderiam a diferença entre um pai e um avô.

Ele preferia futebol, mas não gostava de jogar com ela. Ela não gostava dos resmungos, das cuspidas no chão e das ameaças de surra, sendo que tudo isso é tão parte do futebol como a bola.

Às vezes ela sugeria que se escondessem no armário nos fundos da casa dele, ele não gostava, achava o armário muito apertado e, além disso, tinha sempre o cheiro daqueles cabelos que rapidamente inundavam o ambiente.

Certa feita, brincando a tarde como sempre, ela jogou os cabelos como sempre, o garoto da rua de trás passou, olhou e sorriu, ela desviando os olhos de uma forma que ainda se visse seu rosto, também sorriu. Nesse instante ele pela primeira vez lançou um olhar malicioso sobre um acontecimento.

Tardio.

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